terça-feira, 6 de maio de 2008

A primeira pessoa

Eu pensou em escrever um texto. Sobre ele. Começaria assim: Eu...
Mas Eu pensou que talvez os Outros nem se importassem em saber o que ele queria tanto escrever. Na verdade, até acho que Eu tava certo. O que importava todas as coisas que ele tinha percebido há alguns minutos?

Pensou, então, em escrever um texto muito bom, com outras palavras, mas que no fundo deixasse como mensagem exatamente o que Eu tava sentindo. O "grande lance" era não ser na primeira pessoa.

Oras, que preconceito com a pobre dessa pessoa. Parecia que ninguém se interessava por ela. Eu parou para se entristecer, afinal, era exatamente das desventuras dessa pessoa que queria falar.

"Mas, meu caro Eu, a literatura é universal. Não pode se prender a vida de uma simples primeira pessoa, não pode ter somente a função emotiva." Eu esperou que algum sábio pronunciasse estas palavras ao seu ouvido. Porém, sem que isso ocorresse, Eu regressou a consciência. Que fato peculiar era aquele, porque logo ele tinha que ser A primeira pessoa. Porque primeira? Porque hierarquizar pessoas?

Pensando em todas essas fracas reflexões de Eu, eu resolvi escrever, e mesmo que, como Eu, não desejasse inventar mais nenhuma outra história, acabei demonstrando tudo o que queria dizer. Como o bom escritor é aquele que se faz entender, acho melhor me explicar. E nessa empreitada, me entristeço, mais uma vez assim como Eu.

Existem coisas nessa vida que me são muito caras, e me apoio nestas coisas para, vez ou outra, me entender como parte de alguma coisa. Como agente, se é que me entendem. No entanto, sempre há esse momento, como este em que escrevo, em que me percebo na realidade, e qualquer coisa besta pode me levar a isso. É nesse momento que percebo, que não sou boa em nada e mesmo que fosse talvez não fizesse qualquer diferença, pois o mundo...grande e cheio de gente...

Bem, esse mundo sempre segue adiante...
sem mim e Eu.

5 comentários:

gato de Schrödinger disse...

Por coincidência, srta. Secoelho, conversava ontem mesmo com um amigo nosso em comum - um cavalo - e ele me contou justamente as agruras pelas quais passava um pobre coelho. E isso me tocou profundamente. Tocou, porque o seu sentimento, embora seu e SÓ seu, era inacreditavelmente parecido com o que sentíamos, o cavalo e eu. Agora, lendo seu texto, esta certeza tomou forma ainda mais definida, gerando reflexões e pensamentos em minha humilde cabeça felina.

Há momentos, sem dúvida, em que a tristeza, a melancolia, parece sobrepor-se a qualquer sentimento alegre porventura existente em nós. É natural: a árvore, para crescer plena e saudável, precisa tanto do calor e da luz do sol, quanto da chuva; e tanto o calor quanto a chuva, em excessos e continuamente, são letais para a árvore.

Portanto, sinta-se triste, chore, deixe-se levar pela melancolia - mas nunca em demasia. A tristeza é a melhor maneira de nos defrontarmos com a realidade e confrontarmos o desconhecido mais desconhecido de todos: nós mesmos. Sem ela, não passaríamos de tolos sorrindo na escuridão. E lembre-se de que, ao nos tornamos nada, tornamo-nos tudo.

(Quanto à Literatura, digo isto: sim, também acredito que a Literatura deva ser algo de muito relevante, não apenas um contículo qualquer sobre a história de uma pessoa. É preciso descobrir o universal que há, entregá-lo ao leitor, seja nas grandes questões, seja nas pequenas coisas, nos detalhes. Entre escrever e fazer Literatura há uma grande diferença, uma enorme distância os separa. Mas só através do primeiro é que se pode chegar ao segundo. E, às vezes, um se confunde com o outro - ou, pelo menos, se aproxima bastante - quando, falando de nós mesmos, chegamos a um sentimento compartilhado por todos, verdadeiramente universal. Assim como a srta. fez neste seu singular escrito. Se um zero-à-esquerda é capaz disso, sejamos todos zeros-à-esquerda.)

Beijo, moça. Até mais.

gato de Schrödinger disse...

Ah, e também cumprimento-a - mas não por um sentimento de obrigatoriedade, que fique bem claro - pelo novo perfil do blog; linda imagem. Acredito mesmo eu que não haveria melhor imagem para demonstrar a continuidade do mundo e as perplexidades mentais por ele impostas para uma singular moça como você.

(Embora eu tenha umas boas sugestões que podem lhe ser muito úteis...)

;)

Anônimo disse...

Então Eu e eu temos muito em comum, pois é exatamente assim que me sinto muitas vezes. Acho que Eu tem muito em comum com os Outros também, provavelmente muitos dos Outros são Eus como Eu e eu, e como Eu tenham deixado de querer expôr idéias de primeira pessoa por acharem que não haveria interesse algum dos outros Outros. Alguns Outros não se possibilitam explorar tais sensações essenciais por pensarem que são perda de tempo e fraqueza, quando na verdade é um espantoso e "paradoxal" alicerce para a grandiosidade e maturidade.
Eu diria a Eu que escrevesse como quisesse, sem preocupar-se com o que os Outros se interessam, porque provavelmente haverão Outros que se interessarão de qualquer forma, como eu :)

Solitude disse...

Tem um tal de Cláudio Andrade, sem quer o Cláudio Andrade que posou para a G Magazine, que disse:

'Eu, sou Eu
Por isso sei que existo.
E, só por existir
E nessa existência
Eu Ser Eu
Já sou grande coisa.'

Solitude disse...

'Tem um tal de Cláudio Andrade, SEM QUER'

sem ser*

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