domingo, 16 de novembro de 2008

Fazendo estórias dos fatos

Crônica baseada na notícia:

Adesivo de bicheiro dá "imunidade" no Rio
O adesivo de um haras de propriedade de um bicheiro colado no vidro traseiro do carro é usado por moradores da zona norte do Rio como salvo-conduto para evitar blitze da polícia e assaltos a automóveis.
O Haras Escafura, de cavalos de corrida, pertence ao bicheiro José Caruzzo Escafura, o Piruinha, 78. Seu Zé, como é respeitosamente chamado pelos moradores, é "dono" da contravenção em mais de dez bairros da zona norte do Rio e já chegou a ser preso no início da década de 1990, com a cúpula do jogo --hoje, está solto.
"O adesivo me salvou. Iam roubar meu carro, mas viram o plástico e perguntaram: "Você trabalha na banca (de jogo do bicho)? Então pode ir!" Não trabalho, mas disse que sim", contou um comerciante da região, que abriga máquinas de caça-níqueis da família e pediu para não ter o nome publicado.
Um advogado disse à reportagem ter vivido situação semelhante. Foi liberado de um roubo a mão armada depois de um criminoso ver o plástico redondo, em preto e branco, com a imagem da cabeça de um cavalo. "Deixa ir embora, tá com o plástico, tá com o plástico!", gritou um deles.
A dica para Valéria Souza usar o símbolo veio da própria polícia, diz ela. Um PM parou seu carro, que estava com documentos e IPVA atrasados. "Pede o adesivo do haras do Seu Zé, que ninguém mais vai incomodar em blitz. Com o plástico você passa direto." Folha, 21 de agosto.

Os bandidos e o plástico
O advogado estava atravessando a rua para chegar ao carro que estacionara do outro lado, sem perceber o pequeno movimento vindo de um bar abandonado que estava ao lado de seu carro. A iluminação da rua vinha de um único poste há 10 metros de distância e do letreiro com o nome da farmácia que acabara de sair. Bastou chegar perto do carro para perceber os dois vultos armados que caminhavam na sua direção.

– Calado! Calado, chegado! – disse o primeiro muito rápido – Passa tudo! Passa tudo, se não te meto bala! – falou e posicionou a arma na direção do peito do advogado.

Este tremia e tentava tirar a carteira e o celular ao mesmo tempo, forçando o bolso, tremendo e apertando os dedos no jeans duro da calça. O primeiro cara ficava cada vez mais nervoso gritava que ia matá-lo e ferrar com a família dele.

– Eu sou veneno chegado, não brinca comigo! Eu já saí da cadeia.

Ainda mais amedrontado, o celular parecia afundar cada vez mais no bolso, que a esta altura parecia um poço para as mãos suadas e descontroladas do advogado.

Na situação que estava, ele não teve tempo de reparar no outro homem, apenas sabia que ele não estava mais do seu lado. Não sabia há quanto tempo não estava mais por perto, pois aqueles pequenos instantes eram, sem dúvida, os momentos mais longos da sua vida.

Foi quando ouviu o grito:
– Deixa ir embora, tá com o plástico, tá com o plástico!
O outro imediatamente “gelou”. Pálido, perguntou:
– Tem certeza, porra?
– Tenho! É o plástico, é homem de seu Zé! Vamo embora, mermão!
– Espera, bicho. – disse nervoso e tirou uma faca do bolso.
– O que tu vai fazer bicho? Vamo vazar! – o outro partiu pra cima do amigo e puxou sua camisa de uma vez, na direção da rua escura ao lado.

Deixaram o advogado paralisado no meio daquela semi-escuridão. Ainda estava com a mão no bolso, mas só percebeu isso quando começou a sentir um latejar nos seus dedos vermelhos. Percorreu o carro tentando entender de que plástico os bandidos falavam, mas encontrou apenas o velho adesivo com a cabeça de um cavalo na traseira do seu carro. Deu mais algumas voltas no automóvel até se convencer que aquele era o único plástico visível naquele lugar. Entrou no carro, sem querer exigir mais nada da sorte e prometeu a si mesmo que, a partir de então, compraria qualquer adesivo que lhe oferecessem em sinais.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Onde fica a história dos motoristas intransigentes?

Desci do ônibus com meu cunhado e fui andando no meio fio, esperando pelo momento de atravessar. Passou um carro e talvez dois, mas eu e Arthur continuávamos conversando distraidamente no meio fio. Percebi que um ônibus iria passar na rua e resolvi esperar no mesmo lugar. Qual não foi a minha surpresa quando o ônibus veio diretamente na minha direção. Esperei um pouco para ver se ele desviaria: nem sinal de desvio. Parei de pensar e recuei para o outro lado da pista, bem a tempo do ônibus passar, sacudindo os meus cabelos com a proximidade.

“Porra – resmunguei – isso aqui não era pra ser o meio fio?”, perguntei ao meu cunhado. O “meio fio” a que me referia era apenas duas listras amarelas paralelas pintadas no chão e pontuadas aqui e ali por algumas pedras (?) também amarelas e florescentes. “Fosse o que fosse, era pra ser o meio fio”, pensei.

Foi aí que meu cunhado me fez uma confissão. Ele disse que isso é que era o “foda” da História. Não entendi. “Se, no futuro, eu pegasse um documento que falasse sobre o trânsito dessa época, lá poderia estar registrado que os carros não podiam invadir o meio fio, mas na prática eu não saberia o que aconteceu. Eu nunca saberia que, em uma terça à noite, um ônibus invadiu o meio fio e quase atropelou uma pessoa”, explicou.

Desde então, a informação começou a incomodar os meus neurônios, como se fosse uma coceirinha e se torna uma grande coceira. O que Arthur tinha dito era uma verdade incontestável. Ou quase. Afinal, o que é um documento? Pra mim, que não sou perita nisso, um documento pode ser praticamente qualquer coisa que fale, descreva ou registre alguma coisa. Com esta idéia, recorri ao computador e mais que rapidamente redigi esse pequeno texto para não ficar fora da história.

Quem sabe daqui a alguns anos, pesquisando nos lixões eletrônicos do século XXI, encontrem o meu humilde blog e este depoimento venha à luz. Então as pessoas saberão coisas realmente relevantes do nosso tempo: o dia-a-dia fora dos Diários Oficiais e a rotina desprezada enquanto acontecimento.
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