segunda-feira, 27 de maio de 2013

Isto é água

Terminei de ler. Quis imprimir e colar na parede. Fiquei feliz. Fiquei triste. Decidi que não era mais necessário escrever qualquer coisa.

Por hoje.

Isto é água (versão publicada na revista piauí)


segunda-feira, 20 de maio de 2013

Só quero o amor



– Alô?
– Oi... – Era a tua voz do outro lado me respondendo timidamente.

Se eu pudesse voltar no tempo, talvez repetisse todos os mesmos erros do passado. Mas se eu pudesse fazer o nosso relacionamento voltar no tempo, não só repetiria como acrescentaria mais alguns. 

Nunca me fingiria de feliz. Nunca assumiria culpas. Eu me jogaria chorando no chão sempre que tu fosses insensível. E atiraria o meu sofrimento no peso da tua consciência. Eu te perseguiria, no facebook, twitter, foursquare, instagram e gtalk. Ficaria usando o Rando até receber uma das tuas fotos. Subornaria o teu porteiro. Ameaçaria de morte as mulheres que te olhassem na rua. Arrumaria briga com todas as tuas amigas. Postaria mil mensagens de amor no tumblr, no metrô ou nos postes. Citaria teu nome. Eu te apresentaria como meu namorado. E me sentiria tua dona...

– Parabéns! – Tu tentavas parecer casual e animado.
– Porque você me ligou?
 
Eu te estapearia todas as vezes que bebesse. Para logo em seguida confessar todas as minhas traições. E quando tu insistisses em terminar o que nem quis começar, eu me lançaria aos teus pés e ameaçaria me matar. Eu te ligaria de madrugada sempre que acordasse de um sonho turbulento ou bom. Ficaria grávida todo mês. Passaria minha TPM na tua casa...

– Cara... – tua voz transparecia tristeza – Tu não tens ideia de como tem sido pra mim...

Eu faria de tudo. Tudo. Eu te roubaria. Eu te feriria mais do que você me feria. Eu arrancaria pedaço de carne e unha. Enfiaria o dedo no teu olho. Eu te deixaria preso em casa. Eu tentaria te matar...

– Eu nunca realmente te amei, mas eu sinto tua falta.

Eu te mataria. Eu faria qualquer coisa.
Para você nunca pensar.
Nunca ousar.
Ou cogitar.

Sentir a minha falta.
        


____
Segue uma musiquinha para embalar: https://www.youtube.com/watch?v=csBEUb_eNp8 


quarta-feira, 15 de maio de 2013

Passado




– Dedo na ferida. Sombras. Demônios. É isso, demônios. – O rosto dela se iluminou com a conclusão.
– Sobre o que tu tá falando? – Ele perguntou, parecendo apenas naquele momento perceber que os dois dividiam a mesma cama.
– Sobre sexo. Sempre tive essa impressão. Quer dizer, não sempre. Mas de algum tempo para cá. Quando comecei a me descobrir melhor, quando sentia algum rastro de culpa. A culpa sempre é um bom indicativo de que esbarramos em algum demônio.
– Cara, não se trata disso – ele cortou impaciente.
– Se trata de quê?
– Sexo. Só sexo. As pessoas fazem sexo apenas porque querem fazer sexo também. Não é preciso teorizar.
– Não me diga... – Ela respondeu com toda a ironia que conseguia mobilizar.
– Então é disso que se trata? Da gente?
– Não, se trata de ti. Eu queria entender os demônios que tu esconde dentro ti. Queria que tu os compartilhasse comigo... Seria ótimo. É o tipo de sexo morte, sexo libertação que eu queria pra gente. – disse amolecendo a voz e passeando a mão pelo peito dele.
– Por que tudo se trata de sexo? – Disse e interrompeu a diversão dela.
– É um ponto de contato. Eu estou dando o meu corpo para pertencer ao mundo. – Ela tentou argumentar se deixando afundar ao lado dele na cama.
– Cara, desculpa, mas eu nunca topei com nenhum demônio desse tipo...
– Pra mim isso está mais do que claro. – Ela rebateu em tom cortante.
– Sério? Então tu sabe como eu consigo descobrir um desses dentro de mim? Vai que eles estão em falta... – Ele também não sabia brincar.
– Todo mundo tem um, querido. Quer descobrir o seu? Experimente. Experimente até gostar. Você vai saber quando chegar lá.
– O que tu experimentou? - Ele provocou enquanto disfarçava mal a curiosidade.
– Não gosto de falar. O mais bizarro é que agora me lembro de que a primeira vez que experimentei, eu ri. Não um riso de gostar. Um riso de ridicularizar. Será que isso tem alguma coisa a ver com o meu inconsciente? De qualquer forma, na hora, pareceu muito bizarro e falso, sobretudo. – Ele falava mais para si do que para ele.
– O que foi? – ele insistiu.
– Deixa para lá. O que importa é que, em um dado momento, eu comecei a distinguir carícias reais de carícias ensaiadas.
– Acho que entendo um pouco. Mas, cara, tu pensa demais.
– Certo. O que tu propõe? Transar? – Ela retomou o tom de ironia e provocação, sem esconder vestígios de esperança.
– Tu só pensa nisso. – ele sentenciou olhando para o teto.
– Não. Eu só preciso que tu me coma – ela disse reduzindo o tom da voz.
– Por quê?
– Porque eu quero que tu vá embora. – A voz quase sumia enquanto ela fitava a orelha dele.
– Eu já fui.
– Eu sei. Mas não deixou a parte que eu gostaria. – Ela quase choramingava.
– A experiência? O gozo?
– Um rastro de alma.
A risada dele ecoou.
– Mas já estou dentro da tua cabeça.
– E é um inferno.
– Não é tu que gosta de demônios?

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Academia Sexual de Letras



Tudo o que eu havia pedido era uma boa pauta. Meu melhor amigo havia me convencido a manifestar meu descontentamento. Fazia seis meses em que eu só cobria a editoria de Cidade. Sabem o que isso significa? Então perguntem a qualquer jornalista: buracos, chuvas, buracos, trânsito e confirmar dados dos incontáveis releases da prefeitura. Nada nem remotamente interessante, nada onde eu pudesse explorar meu vasto currículo de oficinas literárias e minicursos de New Journalism. O que Talese ou Tom Wolfe teriam feito se trabalhassem em um jornal diário do interior do Brasil?

- Eles teriam lutado por pautas mais interessantes. – foi a singela resposta do meu melhor amigo.

Não custava tentar, certo? Errado. Depois de ouvir meu discurso ensaiado sobre novos rumos para a narrativa jornalística e matérias que poderiam se aproximar da realidade do leitor ou relatar experiências novas e reais, tudo o que o editor disse foi que ia pensar. Mas até aí tudo bem! O que eu não imaginava era que hoje ele chegaria com uma notinha de uma revista.

Bordel Literário
Inspirado pelo sucesso de 50 tons de cinza e pelo novo fôlego que o ramo dos livros eróticos está experimentando, o renomado empresário Dionisio Batista, que comanda as aclamadas casas noturnas The Weekend e Sex.y, inaugura nesta quarta-feira, 23, um empreendimento mais que especial. A Academia Sexual de Letras (ASL) oferecerá um cardápio de famosas cenas literárias de sexo para a experimentação do cliente. Romances consagrados como Lolita, História do Olho e 120 dias de Sodoma estão entre as opções, assim como poesias que podem ser escolhidas por temas: peitos, ninfetas, sexo anal, menstruação, entre outros. Dionisio garante que todo o material oferecido foi selecionado por curadores especializados e as performances foram cuidadosamente pensadas para arrebatar sexual e esteticamente o leitor.

Quando terminei de ler ainda não imaginava o que viria a seguir. Mas é óbvio que ele queria que eu bancasse a personagem do seriado Girls – que usa cocaína para escrever sobre usar cocaína – e fosse lá experimentar o tal do Bordel Literário. Devo ter deixado minha empolgação transparecer, pois logo em seguida ele sugeriu que eu poderia escrever uma pauta à minha escolha, caso conseguisse fazer um bom trabalho.

E agora estava ali. Terminando de fazer essas anotações enquanto não chegava à estação de metrô. A sessão estava agendada. Trezentos reais por hora. Tudo pago pelo jornal, claro. Porque jornalista não ganha para desperdiçar tudo isso em uma mulher pelada declamando poesia. Eu imaginava que seria isso. Uma porção de puta letrada, fazendo valer o ensino superior e, claro, gerando mais lucro para empresários que apostam em qualquer coisa para ganhar dinheiro suficiente para comprar aquele país de terceiro mundo que não para de ser anunciado na TV.

Mas, tudo bem, eu sabia que devia abrir a minha cabeça se quisesse escrever alguma coisa minimamente publicável. Já tinha lido outras matérias sobre a Academia, mas ainda não tinha me decidido sobre que material escolheria. Queria algo que me permitisse observar mais e participar de menos. Os sados e escatológicos estavam fora de cogitação. Talvez uma poesia fosse mais interessante...

A moça da recepção perguntou se eu precisava de ajuda depois que passei pelo menos meia hora folheando o cardápio. Eu disse que queria experimentar algo novo. Uma poesia. Mas, no entanto, não conhecia nada de poesia. Ela fez meia dúzia de perguntas sobre o nível de vocabulário que eu gostaria, o estilo, se tinha preferência por alguma escola ou tema. Por fim, ela me fitou longamente por trás dos óculos de nerd e me sugeriu a Hilda Hilst. Tinha minhas dúvidas quanto à escolha, mas aceitei, pois assim analisaria a experiência dos funcionários da Academia do início ao fim.

A moça que se apresentou na recepção para me acompanhar até ao meu quarto me surpreendeu um pouco. Eu esperava o clichê dos clichês, confesso. Uma gostosa siliconada vestindo uma roupa de intelectual piranha. A moça que me apareceu devia ter em torno de 23 anos e tinha o corpo bem desenhado, na verdade. Mas estava completamente fora do meu imaginário de puta. Aquela menina ali era exatamente o tipo que eu pegaria em um dia de muita sorte no Bar Canal. A perspectiva me animou e me assustou um pouco. Tentei decorar o rosto dela para verificar se não a encontraria por lá em outros finais de semana.

Ela me acompanhou até o quarto sem nenhum movimento especial. Não segurou a minha mão e não proferiu uma palavra. Quando entramos no local, reparei que não se parecia com o quarto de um motel. Lembrava o quarto de um estudante. Uma cama de solteiro simples e com cara de gasta. Roupa de cama azul escura com motivos xadrez. Um pequeno guarda-roupa, uma escrivaninha com alguns livros jogados e uma janela fechada. Dentro do quarto havia outra porta que, segundo imaginei, devia levar a um banheiro. Logo que fechei a porta do quarto, minha parceira começou a me beijar e a tirar a sua roupa. Parecia muito com um encontro casual qualquer. Entrei no clima fácil apesar de ter tido muita vontade de perguntar quando ela começaria a declamar a minha poesia. Depois de um tempo, esqueci a poesia, a Academia e a pauta. Fizemos amor! E tudo havia sido tão natural e tão... certo. Eu e...

- Qual o teu nome? – lembrei-me de perguntar quando já descansávamos, abraçados, para dividir bem o espaço da cama de solteiro.

- E por que haverias de querer minha alma na tua cama? – ela rebateu olhando profundamente nos meus olhos.

Fiquei mudo, enquanto a pergunta martelava na minha mente. Como eu nada respondia, ela continuou:

- Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?

Minha acompanhante se levantou da cama e começou a recolher suas roupas pelo quarto enquanto ia recolocando-as.

Eu permanecia calado. Até que ela, já completamente vestida, acrescentou:

- Jubila-te da memória de coitos e acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me. – Disse me olhando com olhos provocadores, antes de abrir a porta e desaparecer pelo corredor.

Eu, estarrecido, entorpecido, arrebatado e vazio, com lágrimas nos olhos repetia a pergunta na minha cabeça:

“E por que tu haverias de querer minha alma na tua cama, amada Hilda?”.

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