terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Elogio a um ano ruim



O fim de 2014 foi se aproximando e eu me peguei pensando em Ivana Arruda Leite e no seu livro Alameda Santos. A história é construída a partir de um ritual da autora de passar o réveillon bebendo e gravando as recordações de cada ano que se encerra. Lembrei do texto que escrevi sobre 2012 e decidi escrever este sobre meu 2014. Dois mil e treze, infelizmente, foi um ano pulado. Não só na escrita. E, esse texto, tem tudo a ver com ele.

Ao olhar para trás e tentar começar a delinear essa história, vejo muitos conflitos. Não brigas e desentendimentos, mas rebuliços internos. Nesse ano, me deparei com a situação mais assustadora da minha vida até agora. Me peguei aprisionada dentro de mim. O que talvez não fosse um problema se eu não tivesse me dado conta disso. Algumas reflexões que eu havia deixado espalhadas em várias gavetas e sacolas em cima do guarda-roupa, começaram a aparecer em cima da mesa. E, quanto mais eu me recusasse a fita-las, mais a vida se encarregava de torna-las necessárias.

Explico melhor. Em algum momento, olhei para os meus amigos e constatei estarrecida que tantos passavam por tantos desafios e dores! A dor deles era horrível. E, para mim, não me deixava esquecer que eu era ilha. Era presa dentro de mim. E que, por mais que eu achasse que entendia como eles se sentiam, eu sabia que não. Porque todas as minhas sensações estavam ligadas à mim de uma maneira frustrante. Eu me sentia incapaz, eu me sentia miserável. E tantos passavam por tanta dor!

Nesse momento, me senti afastada de tudo. De todos os que eu amava e que, naquela época, só me lembravam do meu egocentrismo. Não conseguia conversar realmente e me sentia forçada a interagir porque nunca havia me sentido assim. Eu, que sempre odiei estar só. O que ainda me fazia sentir ligada à “realidade” era o meu namorado e a interação diária que nosso relacionamento me exigia.

Lembro que, em algum momento, quando já percebíamos que algo não ia bem, eu fiz um pedido. Não me deixa, porque eu não consigo lidar com isso agora. Hoje, me pego pensando nesse pedido e me perguntando como pude ter feito um pedido tão egoísta. Não que eu achasse que comprometeria a felicidade dele. Mas, de toda forma, eu falava apenas de mim e do meu medo de ver tudo desmoronar. Eu não pedi para ele não me deixar porque eu o amava

Como vocês podem imaginar, esse relacionamento acabou. E, apesar de achar certo, por dentro, ainda me sentia abandonada. Tentei proteger a cabeça com as mãos e esperei tudo desmoronar. Queria contar que não foi isso que aconteceu. No entanto, não seria a verdade. Desabou um pequeno pedaço do meu teto. E, assim que caiu, algumas coisas ficaram muito mais iluminadas.

Olhei para os meus amigos e percebi que eles não esperavam que eu sentisse a dor e os problemas dele, eles só queriam que eu estivesse ali, feliz, ao lado deles. Olhei para o ano de 2013 e pensei que seria uma boa encontrar a Seane de abril e maio. Aquela que estava cheia de brilho nos olhos, falando sobre sinceridade, dando as costas para a ironia e desejando aprender coisas verdadeiras sobre a vida. Aquela que tinha parado de tentar lidar com a solidão e que tinha decidido, no final das contas, que solidão era algo que ela precisava buscar para crescer um pouco mais. Aquela que estava livre de relações sádicas. Aquela sem culpas.

Tive medo de ter perdido esse meu momento ao ter iniciado um relacionamento. Mas, quando finalmente encontrei com essa minha versão, descobri que eu ainda era a mesma (talvez um pouco mais interessante). E que 2014 era apenas a continuação de um ano de transformações profundas.

Não queria ser injusta com os amigos que entraram na minha vida e pareceram me entender sem dificuldades, ou com os que me aguentaram o ano inteiro, na TPM e no tédio dos fins de semana. Não queria ser injusta com o afilhado que chegou e já me proporcionou muito amor e admiração. Mas 2014, foi um ano de desmoronamentos. Na minha vida e na de muitas pessoas que estiveram ao meu redor.

Os desmoronamentos, entretanto, eram os passos que faltavam para mudanças permanentes e grandes aprendizados. O que desmoronou era o que havia do passado e que tentávamos segurar por muitos motivos, sem parar para pensar se era bom ou ruim. Até aqui, você tem toda razão de estar me xingando por esse texto clichê. Porém, não consigo evitar esse tom positivo. A magia desse ano ruim, para mim, foi revelar que, quando algo cai, você é quem escolhe se olha para os destroços no chão ou se para o novo espaço vazio que se revelou. Eu, agora, olho para o vazio e penso: Continuemos! Continuemos.


***
A Ilustração desse texto foi postada originalmente no blog Moldando Afeto, na seção cartas amarelas. Uma das descobertas apaixonantes desse ano.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Jornalista

Logo que o conheci, me interessei. Achei que poderia contar tudo sobre a sua vida apenas pela sua barba mal aparada, suas olheiras e aquele beck recém bolado em suas mãos.

Mais por querer confirmar minhas hipóteses, menos por querer começar um contato, iniciei uma conversa. Em algum ponto falamos de solidão, e eu, pressentindo a oportunidade perfeita, o bombardeei de perguntas. Não sabia se estava mais interessada no que ele dizia ou em confirmar minhas impressões. Era fácil confundir os dois, porque estavam tão próximos. Ele até me surpreendeu um pouco. Tive que reformular algumas ideias sobre ele. Contornar algumas dificuldades no modelo que desenhava. Mas, enquanto armazenava os dados na cabeça, algum software interno já acusava: É ELE! É ELE!

Satisfeita a minha curiosidade, o olhei atentamente. Parecia constrangido. Foi então que me dei conta da agressividade da minha abordagem e da cara de psicopata que eu poderia estar fazendo naquele momento. Percebi, ainda, que a última pergunta que eu havia feito dizia respeito ao seu último relacionamento e comecei a temer que já tivesse estragado tudo. Tentei pensar em algo que pudesse me salvar.

Ele fumava e olhava pro chão.

- Você é muito interessante! - tentei justificar - Mas acho que já está na hora de parar de fazer perguntas, né?

Ele sorriu, virou a cabeça na minha direção, me olhou e percebeu minha apreensão.

- Normal. Jornalista.

Suas palavras passaram a mão na minha cabeça. Aliviada, quis confirmar:

- Não estou te deixando assustado?

Ele deu um risinho que só percebi de perfil pela sua cabeça ainda um pouco baixa.

- O que foi?

- Meu bem, nesse momento, só consigo pensar em você pelada. Não é assustado que você está me deixando...

É ELE!     É ELE!     É ELE!


terça-feira, 25 de novembro de 2014

Calcinha de renda

– Não sou supersticiosa, mas acho que pensar que algo pode dar errado às vezes atrapalha.
– Claro que não!  Por que você acha isso?
– Ah, bobagem...
– Não, me conta – ele se divertia. – Qual é a sua superstição?
– Não tenho uma superstição específica, na verdade. Mas tenho uma história com uma calcinha de renda...
Ele caiu na risada.
– Essa eu quero saber!
– Hmm... Bom, eu tinha um encontro marcado com um cara. 'Tava super ansiosa para encontrar com ele e ele tinha me garantido que estava tudo certo para a gente se encontrar. Daí fiz todas as minhas tarefas do dia e comecei a me arrumar, mas, só quando saí do banho, percebi que ainda faltavam três horas para o encontro. Eu tinha pensado em usar uma calcinha de renda para ele. Mas como estava cedo e eu nunca usava aquela calcinha, achei melhor vestir outra até estar mais perto e ele mandar uma nova mensagem de confirmação.
– E não rolou?
– Não!
– E a culpa foi de você não ter vestido a calcinha? – ele provocou.
– Não, né? Mas, sei lá, se eu puder evitar dar sorte para o azar, eu vou evitar...
– E essa calcinha de renda?
– O que tem?
– Você vai vestir amanhã para garantir que eu não vou faltar ao nosso primeiro encontro?
Ela riu.
– Não.
– Por que? Você tá tão segura assim que eu não vou faltar?
– Não. Porque 'tô usando hoje.



terça-feira, 18 de novembro de 2014

Vestido de noiva

Fazia pelo menos um ano em que eu não pisava naquela rua. Ou pelo menos, que não chegava até àquela altura. Percebi isso quando fui identificando a loja ao longe e uma dor gigantesca me sacudiu. Tentei não pensar nela, mas antes que pudesse perceber, estava atravessando a rua. Queria saber se ele ainda estava lá e, dessa vez, queria olhar ele bem de perto.

Achei que era mais um desses momentos sádicos que eu reservava para mim mesma. Não sei porque queria me punir. Mas, por alguma razão, achava que tinha que encarar aquela dor. Ele estava lá, na vitrine da esquerda. Fiquei feliz ao vê-lo, pois sabia que agora, sim, eu poderia me punir observando-o.

Uma vendedora fumava um cigarro ao lado. Percebi pela visão periférica que ela me examinava. Por fim, ela deve ter decidido que ninguém seria louco o suficiente para passar alguns minutos parado em frente à uma loja de vestidos de noiva sem estar noiva. Ela apagou o cigarro com o sapato e deu uma última baforada antes de se alinhar ao meu lado e comentar:

- Esse é lindo, não é?

Pensei em respostas que não me delatassem.
- É sim. O mais bonito que eu encontrei até agora.

Ela perguntou se eu não gostaria de provar. Expliquei que estava esperando uma amiga que já devia ter chegado e que não queria incomodar. Seria melhor vir provar com mais calma. Ela insistiu.

- Se você não provar logo ele, não vai conseguir tirar isso da cabeça!
- Talvez...
- Vamos! É o que sempre dizem: é o vestido que escolhe a noiva. Você não pode perder essa oportunidade.

Me segurei para não dizer que aquilo era uma paráfrase de Harry Potter e dei uma olhada no celular. Não havia sinal da minha amiga. Então, concordei com relutância. Dentro da luxuosa loja, Milena se apresentou e começou a me oferecer cookies, biscoitinhos amanteigados e trufas (“é tudo sem glúten, viu?”), mas o medo de ser descoberta me impedia de aceitar qualquer coisa e me deixava cada vez mais desconfortável. Milena se deu por vencida e me acompanhou até o provador. Disse para eu ir tirando a roupa, enquanto ela pegava o vestido.

Quando ela chegou, não contive um suspiro de expectativa. Ela sorriu e confessou que adorava ajudar as noivas a encontrar seus vestidos dos sonhos. Dei um sorriso amarelo e lembrei daquele canal ruim cheio de reality shows inúteis. Enfim, ela devia estar assistindo muito.

Milena me ajudou a vestir com paciência. O momento pareceu passar em câmera lenta. A cada toque que eu dava nas rendas sentia um misto de paixão e desilusão. O vestido conseguia ser mais lindo do que eu lembrava. Mas a lembrança tinha deformado um pouco dos seus detalhes e proporções e, agora, eu me perguntava se não já não estava acostumada demais com a versão imaginária. A renda parecia diferente de perto. A alça um pouco mais estreita, a cintura, um pouco apertada. Reparava nesses detalhes quando finalmente consegui enxergar o panorama inteiro: eu, com o meu vestido de noiva.

O vestido que eu havia amado desde o primeiro dia em que vi. O vestido que eu sempre usava na nossa história de amor que, pouco a pouco, dia a dia, eu tinha escrito na minha cabeça.

Eu sei que sempre tive dúvidas em relação ao casamento. Mas, também por uma razão desconhecida, eu sentia que um dia usaria aquele vestido com você.

Me olhando no espelho, lembrei porque estava ali. Queria mais uma vez sentir a dor de não te ter mais comigo. A dor do meu fracasso. Era assim que eu enxergava o nosso fim. Queria me lembrar que não havia mais nada, apenas o vestido na vitrine.

Mas enquanto esperava a dor e a comoção, o vestido apenas me fitava do outro lado do espelho. E como ele era lindo!

- Esse vestido foi feito pra você! – disse Milena com olhos deslumbrados.

Sorri pro vestido no espelho. E fui me despindo com uma surpreendente constatação. Esse vestido não dizia nada sobre você. A minha vida não diz nada sobre você.

Essa é uma história sobre mim.



domingo, 9 de novembro de 2014

Do vazio interior (novamente)

Nos nossos últimos dias, eu costumava deitar cautelosamente a fim de controlar os pensamentos e não colocar as questões que deveriam ser colocadas. Exigia esforço, mas, dia a dia, eu conseguia. E sobre mim pairava, suavemente, o vazio. Que avançava e se recolhia até eu estar finalmente adormecida.

Hoje, carrego o vazio para a cama. Faço todas e crio novas questões. Preparo teorias e estabeleço associações para entender esse vazio que acabo atribuindo a sua ausência. Cutuco o vazio e vou tentando abri-lo um pouco mais. Transformo-o em balão, amarro ao peito e fico olhando-o sobre mim enquanto o sono se torna uma presença cada vez mais difícil.

Mas, por vezes, entre um pensamento alucinado e outro sobre nós dois, me pego fazendo novas questões sobre mim.

Por que insisto em me esquecer que o vazio já estava aqui?





Ps.: O título e um pouco do texto são uma livre inspiração descarada do livro Vazio Interior do selorabanete.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

É preciso sentir dor: #nopainnogain

Como algumas pessoas mais próximas sabem, eu estou tentando mudar de vida. Mudar de vida no sentido de me tornar mais saudável, disposta e, de quebra, ficar com um corpo que eu ache legal. Antes de entrar na academia, eu já tinha tentado correr e, muito antes, já tinha me inscrito em aulas de Kickboxing. Na época, tudo isso me parecia muito divertido e motivador, já que além de me exercitar, eu ia aprender algo e isso, eu acreditava, me faria ser disciplinada. Não funcionou, mas, não por culpa das atividades e, sim, porque eu ainda não tinha realmente vontade de mudar de vida e desisti nas primeiras dificuldades.

Esse ano, resolvi, com muito incentivo das pessoas que me acompanhavam de perto, ir realmente atrás disso. Me inscrevi na academia porque era mais barato que muitas outras coisas mais divertidas e porque eu já tinha idade suficiente para parar de dizer que “academia é chato”. No meu primeiro dia de aula, meu instrutor quis me assustar. Montou aquele treino de perna matador e foi colocando os pesos nos aparelhos sem nem saber o que EU, que sempre fui sedentária, aguentava. Eu resisti o treino inteiro, reclamando muito. E voltei para casa com a perna toda falhando. Naquele momento, a única coisa que não me fez desistir foi pensar: “Ei, um dia eu vou fazer esse treino e não vou sentir vontade de morrer”.

Mas a verdade é que eu estava enganada. Não que eu não tenha me adaptado àquele primeiro treino, mas eu estava enganada quanto a lógica que estava circulando nas academias e em vários outros lugares. Porque essa lógica proíbe qualquer tipo de adaptação e costume. Segundo essa lógica, é preciso sentir dor.

Uma vez, um rapaz chegou mesmo ao ponto de me parar na academia e dizer que eu não estava forçando o suficiente. “Se tá fácil, é porque tá errado”, ele me garantiu. Aliás, essa frase também ilustrava uma campanha de tênis de corrida da Nike, que eu sempre olhava na USP. Se você segue alguém, em suas redes sociais, que tem uma vida “fitness” e aquele corpão escultural, você também vai encontrar em todas as postagens dessa pessoa esse tipo de “incentivo” ou filosofia de vida. Uma das que eu sigo, por exemplo, diz sempre que treina na carga máxima e que repete até a falha. Em um dos vídeos dela no instagram, é possível ouvir a voz do personal dizendo “sofre, sofre”.

E, tudo isso, ainda parece muito bizarro para mim. Mesmo depois de saber que a eficiência da musculação reside no fato de criar pequenas lesões no músculo (e, que, portanto, é impossível não sofrer), não acho que o culto à dor nos leve a algum lugar.

Venho de uma criação cristã (que cultiva, na base, ideia da doação e sacrifício) e sigo carreira acadêmica (que também, ainda que não explicitamente, pressupõe sacrifícios e um sofrimento aparentemente inescapável), e, portanto, posso dizer que já tive demais dessa lógica na minha vida. Hoje, no entanto, tento seguir os exemplos de amigos que passaram pelo mestrado como se tivesse sido um sonho, porque conseguiram ser disciplinados o suficiente para evitar o estresse de ter que dar conta de tudo nos 5 minutos do segundo tempo. E, não por coincidência, foi também um desses amigos (uma amiga que está com um corpão incrível, na verdade) que me mostrou que é possível praticar atividade física religiosamente sem cair nos excessos do culto à dor.


Como acredito que não conseguimos aguentar uma “situação-limite” por muito tempo, acredito que a ideia do #nopainnogain, ao mesmo tempo em que incentiva as pessoas mostrando que não é fácil para ninguém, também fornece uma perspectiva de vida assustadora. Não queremos sofrer para sempre, queremos enfrentar desafios, mas não para apenas enfrentar ainda mais desafios. Mas para chegar em um ponto em que nos tornamos melhores. Para mim, me tornar melhor diz mais respeito a enfrentar o desafio da disciplina diária do que a acatar discursos paranoicos. O meu ganho, não vem da dor.



quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Histórias de amor, pontos e vírgulas

Eu tenho uma história para contar. A história de um garoto que eu conheci e com quem encontrei o amor, a paixão e a calmaria. Ele foi a bonança na tempestade dos meus erros amorosos. Eu e o meu garoto alcançamos o felizes para sempre no mesmo dia em que nos encontramos.

Mas nós dois gostávamos de erros, gostávamos de drama e de telefones desligados na cara. Chegamos ao ponto final e decidimos que faltavam algumas vírgulas. Talvez pudéssemos incluir um triângulo amoroso ou mesmo um quarteto. Ou aquela dificuldade que parece ser a razão e o alimento de alguns relacionamentos. Inventávamos conflitos para, depois, sentirmos a felicidade renovada de apagar tudo.

Chegamos ao fim da história e queríamos continuar a escrever. Amores perfeitos são para serem sonhados, não vividos. Houve medo, claro. Tínhamos medo de abandonar o abraço que nos unia. Mas o abraço prolongado só nos lembrava de comodismo e nos assombrava silenciosamente. Antes queríamos os poucos segundos antes dos corpos se fecharem no abraço. Queríamos o começo cheio de clímax. Para sempre.

Queríamos o esforço. A mensagem inesperada que chega e, não, o "boa noite" que de tão frequente deixa de existir. Não queríamos deixar de nos ouvir. Não queríamos ter sobre o outro o mesmo efeito que uma noticia de morte em jornal popular.

Então, eu disse para ele partir. E ele concordou em me deixar aqui. Gostaria de dizer que foi a melhor decisão. Não sei. Eu e o meu garoto éramos loucos. Somos. Sinto a falta dele. Mas ainda guardo todos os rascunhos dessa história. 

Um dia pode vingar.


quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O que São Paulo quer

São Paulo quer me ver pelada, e vai.
São Paulo, Nova Iorque, Los Angeles, Paris, Londres, Budapeste e Kiev querem.
São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belém e Fortaleza querem.
São Paulo quer me ver pelada. 5.394.344 homens
São Paulo quer me ver pelada. 420 móteis, 64 pousadas.
São Paulo quer me ver pelada. Na Estação da Luz, na Augusta, em Pinheiros.
São Paulo quer me ver pelada. No Glória, na D-Edge, no Inferno, no Beco, na The Week, na DJ Club, no Alberta, na Lanterna, no Love Story, no Lab, nas festas da USP.
São Paulo quer me ver pelada. No grafite, na peça, na HQ, no filme, na exposição fotográfica, pela janela do banheiro.
São Paulo quer me ver pelada. O amigo. O vizinho. O motorista do ônibus, o cobrador. O aluno. O chefe. O padrasto. O amigo do filho. O amigo do amigo. O namorado. O marido. O amante. O amigo do marido. O amigo do amante. O pai da amiga. O marido da amiga. A amiga da amiga. O primo. O cara da fila. O turista.
São Paulo quer me ver pelada. Dentro do carro na varanda no elevador na sauna no banheiro na balada no banheiro da balada na rua escura. No quarto. Na sala. Com as cortinas fechadas.
São Paulo quer me ver pelada. Com ele, com aquele outro, aquele outro, aquele outro. Com ele e aquela outra. Eu com as quatro eu com essa eu com aquela nós por cima nós por baixo.
São Paulo quer me ver pelada. Sexy. Ousada. Tatuada. Lésbica. Hétero. Nerd. Blasé. Bêbada drogada sóbria. Normal. Careta. Magra, Malhada, Siliconada, Em forma, Gordinha, Não tão gorda. De calcinha suja ou lavada. Depilada. Querendo estar pelada. Não querendo estar pelada.
São Paulo, quer me dar prazer?
São Paulo, quer me fazer gozar?
São Paulo, quer me amar?
São Paulo! Quer! Ver! Eu e você, peladas.
E vai e vai e vai e vai e vai, peladas, e vai e vai, ver, e vai e vai...

E vai.



quarta-feira, 23 de julho de 2014

Nota @Maranhão

Chega um momento em que uma voz dentro de mim me diz pra te deixar. E, nesse momento, concordo silenciosamente com ela. Resolveria tudo!

Eu poderia deixar tudo para trás. Seguir minha vida sem todo esse peso. Eu poderia me concentrar mais no que eu realmente deveria me concentrar mais. E a felicidade? Bem, eu estaria livre para procurar por ela em outras camas.

Chega um momento em que eu até mesmo digo em voz alta que vou te deixar. Espero a tua reação e me conformo com a tua indiferença. Você não acredita em mim e eu percebo que nem por um minuto eu acreditei em mim também. Mesmo que resolvesse tudo...

Logo após esses momentos, eu te abraço e me assusto com os meus pensamentos. E me pego pensando em como amar é estranho. Pois quando eu te recebi na minha vida, recebi também duas bagagens. Uma com tudo de bom que o amor traz. Outra, com medo. E quando chega, mais uma vez, a hora da despedida, o medo de sair de perto de ti é tão forte que penso que só te deixar resolveria tudo.

Resolveria a tristeza que vem na ressaca de ti. Resolveria todos os dias sonolentos que virão sem a tua presença. Resolveria esse aperto imenso no peito por ter que arrumar as malas. E dizer adeus. Mais uma vez.


sexta-feira, 20 de junho de 2014

A janela da R. Teodoro Sampaio

Há um tempo, ouvi falar de um escritor francês que escreveu um livro sobre janelas. E desde então, elas têm esse fascínio sobre mim. Toda vez que vou tomar um banho, despida, encaro a janela aberta do banheiro dando as boas vindas para os curiosos que desejam saber sobre a vida na Teodoro Sampaio.

Uma janela comum em banheiros, discreta, um pouco escondida, para os que olham de fora, por algumas árvores. Pequena e com vidros ondulados que deformariam um corpo desnudo se um voyeur mais atento a descobrisse.

Ainda pelada, penso em quem seria o curioso que um dia conseguiria entrever um peitinho entre as três aberturas diagonais daquela janela. Talvez ninguém, talvez por isso ela estivesse sempre aberta para uma rua eternamente movimentada. Quem, em um daqueles carros, em um daqueles ônibus, trabalhando ou comprando no supermercado, imaginaria que, a poucos metros do seu campo de visão, um pequeno seio ainda com marca de biquíni estaria à disposição do olhar?

O delírio de um tarado, a repulsa de uma mulher por ter sua intimidade revelada, agora era, ali, uma questão muito mais profunda. A mesma questão da janela voltada para uma rua sem nenhuma movimentação. Em que a liberdade de agir como quisesse gerava um desejo estranho pelo olhar alheio. A ironia daquela janela aberta, exibindo de forma completamente gratuita e óbvia tudo que muitos lutariam ou pagariam pra ver, mas que impedia, afinal, a visualização do que se pretendia exibido, me afligia.

Não que eu me regozijasse com uma olhada de desejo simplesmente ao meu corpo nu. Mas a importância das janelas abertas na minha vida se devia ao fato de eu me sentir como uma o tempo todo. Não importava se de frente para um caminho em desuso ou em meio a mais movimentada das ruas, muitas vezes parecia que ninguém nunca pararia para dar sequer uma espiadinha no interior.



*Texto de 2011

sexta-feira, 13 de junho de 2014

[dilemas] Meu corpo não é futilidade

Recentemente, comprei o livro da Jana Rosa e Camila Fremder, Como ter uma vida normal sendo louca. Não fazia ideia da existência do livro até duas amigas diferentes comentarem sobre ele em um período de menos de duas semanas. Parecia engraçado e as autoras em si já são muito engraçadas, resultado: comprei.

Mas não quis iniciar esse texto para fazer uma “crítica” da obra. Nem para confundir as autoras com as situações descritas no livro. Queria apenas falar sobre o “Ensinamento 15: sobre dieta, academia e spa”. Esse ensinamento (ou capítulo) é direcionado para mulheres que estão muitos quilos acima do peso (a partir de 5kg), que não cabem mais nas roupas e que decidem emagrecer. As autoras, então, contam como é uma tortura experimentar vários tipos de dietas e escutar pessoas falando sobre dietas. Ir para academia é outra tortura que só gente louca tolera. E spa é a opção para quem chegou no fundo do poço, mas que apresenta resultados apenas temporários. O ensinamento, então, conclui que “a vida é assim”.

Não é novidade para ninguém que é muito difícil nos sentirmos satisfeitos com o que temos. Não só com o corpo, mas com a inteligência, com a situação financeira, com a vida amorosa e etc. Sinceramente, não é à toa que Lacan faz sucesso. Por que o tal do objeto pequeno “a” é a descrição perfeita de como sempre estamos almejando chegar em um estado de completude através da aquisição de algo que nos falta (o "a") e de como isso nunca acontece. Não porque nunca alcançamos algo que queremos, mas porque no momento que alcançamos ele já não é mais nosso objeto de desejo.

Nunca estive muito acima do peso e não lembro de já ter sido chamada de gorda na minha vida. Ainda mais: nunca me senti gorda. Sempre achei que estava num espaço intermediário entre as magras e as gordas. Mas só muito recentemente tive coragem de dizer em voz alta que eu não era satisfeita com o meu corpo. Eu acredito na ditadura da beleza e acredito que padrões assustadores nos são administrados goela abaixo. Mas não achava que a revista feminina ou os desfiles de moda eram o que me fazia sentir insatisfeita, pois eles não eram referências para mim. A minha referência era o espelho e o que eu achava que estava sobrando ou faltando no meu corpo. A minha referência era a limitação física que eu comecei a sentir a partir dos 20 anos, como consequência de muito sedentarismo.

Admitir isso era muito duro para mim, porque implicava assumir que eu ligava para essa futilidade que é um corpo saudável e, de preferência, bonito e em forma. Eu senti medo de cair em algum dos estereótipos que eu não gostava: da gostosa sem nada na cabeça, das marombeiras de academia, das food haters. E nada disso combinava com o que eu sempre valorizei mais, que eram os meus estudos, e com o que eu adorava fazer, que era comer bolo.

Só para abreviar, essa história não termina com um testemunho motivacional. Do tipo, “hoje sou gostosa e até tentei citar um pouco de Lacan nesse texto”. Se tem algo muito bom que aprendi desde que eu disse “cansei de ser a legal, quero ser gostosa também”, foi que realmente dietas não funcionam e academia é um saco, se você não está buscando essa mudança para você. Foi também que muita gente não sabe nada de dieta e alimentação. Que se você for atrás de cortar tudo que é um vilão – glúten, farinha branca, açúcar, lactose, etc – você vai surtar.

Eu sempre fui apaixonada por doces e foi a primeira coisa que eu tentei tirar na minha busca por ser mais saudável. Para várias amigas minhas, isso era muito fácil, porque elas NÃO gostavam de vários doces. Mas eu gostava. E cortar isso funcionou por um tempo, mas depois começou a me afetar no sentido ficar na fissura pra comer chocolate de madrugada. Coisa que eu nunca fazia! E daí eu comecei a perceber que algumas coisas funcionavam com outras pessoas exatamente porque elas não precisavam daquilo ou simplesmente não gostavam.

Comecei a estabelecer minhas próprias regras de alimentação saudável, com direito a brigadeiro, pão de gorgonzola e hambúrguer! Mas em compensação, eu aprendi a comer FRUTA e a achar salada uma delícia. Isso não mudou muito o meu corpo, mas me dá uma satisfação imensa.

Espero que esse texto não esteja motivacional ainda. O que eu queria dizer é que a garota muito acima do peso da história fez tudo errado. Pois ela não tentou se compreender e se amar. Se ela não se gosta gorda ou fica triste porque não cabe mais nas roupas, ela pode mudar isso! Mas ela tem que mudar isso se respeitando, sabendo o que o corpo dela tolera. E descobrir como ficar com o seu corpo em forma não é futilidade.


Achar que “a vida é assim” e nunca ir atrás de mudança é uma das coisas mais tristes que alguém pode fazer. Ainda mais se a solução para se sentir melhor for qualquer uma das que estão no “Ensinamento 16: como viver acima do peso sem que ninguém perceba”.



sábado, 19 de abril de 2014

Copacabana, Dream

Copacabana, meu bem. Copacabana dreams. Às vezes esse nome fica se embaralhando na minha cabeça. E só penso em como nunca aquela terra me cativou. É um sonho. Eu sei. Mas talvez não seja o sonho que eu sonhei. Ou talvez eu não seja sonho.

Copacabana é o sonho de Natércia. A escritora que você não conhece. E que eu pouco consigo entender. Acho que deve ser o Rio e os devaneios boêmios que só existem lá. (Os que existem em São Paulo são fingimento. Ou saudades). Um sentimento carioca que eu nunca consegui abraçar.

Você fica perplexo quando escuta essas coisas. Eu sei. E fico imaginando cada lugar daquele sonho que você agora saboreia mentalmente. Imagino como você lembra de Copacabana...

Sabe, me peguei sentindo saudades da Avenida Atlântica. Lembrei do cheiro do mar e do gosto do chope. Dos bares na calçada, das lonas, das ciclovias. Quase confundi todas as lembranças com afeto, mas então percebi que não era o cheiro, a vista ou a vida em Copacabana que me aquecia o coração.

Eu podia trocar a praia. Eu podia trocar o bar. Não precisava ter pastel de feijoada. Podia mudar o cheiro e o trânsito. Podia não ter ninguém correndo. Não faria diferença o sol ou a chuva. Só o que me importava era o tempo não passar.

Mas o tempo só para no milésimo de segundo em que a gente se invade. Para logo em seguida voltar a caminhar. E me deixar indecisa entre a vontade de te amar e a aflição de te perder.

Esqueço a paisagem. Ela é só um adereço extravagante, se eu não tenho sempre você.


sábado, 29 de março de 2014

A contragosto

Era uma vez uma mulher que te prometeu amor. Quando tu estavas sozinho e tranquilo, Joana apareceu como uma chuva inesperada de verão. Enrolando os braços no teu pescoço, dando beijinhos no teu cangote, derretendo no teu peito e sussurrando ao teu ouvido: “vou te dar tudo, tudo”. 

Mas Joana foi embora da mesma forma súbita como apareceu. E não deixou nada, nada.

Nunca entendi Joana. Mas hoje me ocorreu que eu já fui Joana...


Eu sempre fui Joana.


terça-feira, 11 de março de 2014

Amor, você me dá sono

Tente não me entender mal, mas essa é a verdade. E desconfio que você já sabe. Só gostaria que você me compreendesse. Você me dá sono e isso nunca foi ruim.

Lembro das noites em que ficava deitada pensando em quem seria você, como você seria e quando apareceria na minha vida. Eu girava repetida vezes pela cama até esquentar o lençol e o corpo e achar que nunca conseguiria pegar no sono. Nem te encontrar.

Também tiveram as noites em que pensava nos caras que conheci antes de você. Então eu criava teorias ingênuas sobre o que eu estava fazendo ou tinha feito de errado. Eu simulava situações e refazia passos e palavras até cair em um sono inquieto e frágil. Como todos esses relacionamentos me faziam sentir.

Em algumas noites, até arrisquei deixar o conforto da minha própria cama para buscar o carinho em outros lençóis. Mas não fique com ciúmes, amor. Essas eram as piores noites. Eram longas horas com o corpo imóvel e a respiração presa para não acordar quem estava ao lado. Ou eram noites de ouvir roncos que não me falavam nada. Eram noites em que me faltava espaço. Físico ou emocional.

E então você chegou, meu amor. E eu quis que você não se assustasse, tentei ficar acordada contigo, puxei assunto e até tomei açaí. Mas era chegar ao teu lado que o meu corpo relaxava. Tudo em ti me era familiar. Teu cheiro quente era o meu maior conforto. Esquecia minhas manias de travesseiros e ursinhos. Não me forçava a parar de pensar, pelo contrário, tentava pensar nas respostas certas ou pelo menos aceitáveis para a nossa conversa. Mas, antes que desse por mim, já não falava nada em sequência e apenas dormia ao teu lado.

Você pode achar que não tenho motivo para ter tanto sono. Isso é porque você não imagina como era exaustivo não te ter comigo. Sinto que só agora encontrei o lugar onde posso repousar. E você é esse lugar.


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

How I didn’t meet you

Era questão de tempo até eu encontrar uma forma de te conhecer. Já havia te observado duas ou três vezes. Já tinha arriscado contato visual (infelizmente, sem sucesso). E, sem querer, tinha descoberto teu nome: um amigo havia comentado na foto de outra pessoa, que tinha te marcado. Méritos do Facebook.

Era questão de tempo e o meu tempo estava acabando. Passagem comprada, despedidas marcadas, com direito a noite das garotas. O lugar de sempre e um show dos nossos amigos. Meus e seus. E, na noite das garotas, eu queria um rapaz. Fiz as contas, subtraí três e decidi arriscar. Havia noventa e nove por cento de chances de você estar lá, mas só cinquenta de estar só. Tudo bem, era uma margem com a qual dava pra trabalhar.

Ainda não sabia o que falar. Primeiramente, boa noite. E o nome, claro. Me apresentar. Talvez desse pra contar a história da viagem. Quem sabe nem fosse preciso... Mas antes de tudo, já sabia, não podia me precipitar. Um pouquinho de contato visual não fazia mal pra ninguém. E nada de tiradas diretas dessa vez! Ou engraçadas (afinal, nunca eram). Exceto se já tivesse rolado tequila. Então já estaria tudo desculpado.

Estava tudo pronto. Todas as caras conhecidas por lá. A noite prometia saudosismo antecipado, danças estranhas, piadas internas e fotos constrangedoras. Eu e as meninas não queríamos causar, só queríamos estar juntas mais uma vez e eu, de quebra, queria conhecer você.

Naquela noite, realmente houve tequilas. Duas, poucas, ninguém queria exagerar. A banda tocou o que tinha de tocar e eu ganhei a última música. Não sei quantas novas piadas surgiram. Uma com barba, talvez. Não sei quantas horas se passaram ou com quantas pessoas conversamos e nem quando voltamos. Estávamos de carona.

Nessa noite, eu dancei, ri e fiquei feliz. Não pensei em você. Estava com as melhores companhias que poderia desejar. Até conversei com alguns rapazes, mas, mudei de ideia, por que a noite era realmente das meninas. Aconteceu o que poderia e deveria acontecer naquele lugar e com aquelas pessoas, dois dias antes da viagem.

Hoje, porém, me flagrei pensando no tempo que poderíamos ter aproveitado. É difícil calcular as variáveis, mas gosto de pensar que poderia ter sido ali. E, assim, muita coisa poderia ter mudado para nós. Por outro lado, também temo o que poderia ter sido feito daquele dia. Talvez corresse tudo bem, mas você ainda não soubesse que aquela garota de blusa branca que puxou assunto seria eu. Poderíamos ter ido até o fim. E talvez eu tivesse trocado a minha carona, por uma ida ao motel, com um cara que eu ainda não sabia que seria você. Confesso que, conhecendo você hoje, queria que essa tivesse sido uma opção boa e a verdadeira. Mas, talvez, só perdêssemos o interesse ou a hora certa.

Ao mesmo tempo em que queria ter te conhecido desde o início, desde antes de estar tão longe e por tanto tempo, imagino que o destino (esta série de acontecimentos sem propósito que algum dia conduz a outro lugar) se manifestou nesse dia e te fez não aparecer naquele lugar. Se eu fosse rescrever aquele dia, acharia melhor não nos conhecermos mesmo, mas mudaria, pelo menos, o motivo de você não estar lá.

Estava no motel. Outras garotas no meu lugar.

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