terça-feira, 25 de novembro de 2014

Calcinha de renda

– Não sou supersticiosa, mas acho que pensar que algo pode dar errado às vezes atrapalha.
– Claro que não!  Por que você acha isso?
– Ah, bobagem...
– Não, me conta – ele se divertia. – Qual é a sua superstição?
– Não tenho uma superstição específica, na verdade. Mas tenho uma história com uma calcinha de renda...
Ele caiu na risada.
– Essa eu quero saber!
– Hmm... Bom, eu tinha um encontro marcado com um cara. 'Tava super ansiosa para encontrar com ele e ele tinha me garantido que estava tudo certo para a gente se encontrar. Daí fiz todas as minhas tarefas do dia e comecei a me arrumar, mas, só quando saí do banho, percebi que ainda faltavam três horas para o encontro. Eu tinha pensado em usar uma calcinha de renda para ele. Mas como estava cedo e eu nunca usava aquela calcinha, achei melhor vestir outra até estar mais perto e ele mandar uma nova mensagem de confirmação.
– E não rolou?
– Não!
– E a culpa foi de você não ter vestido a calcinha? – ele provocou.
– Não, né? Mas, sei lá, se eu puder evitar dar sorte para o azar, eu vou evitar...
– E essa calcinha de renda?
– O que tem?
– Você vai vestir amanhã para garantir que eu não vou faltar ao nosso primeiro encontro?
Ela riu.
– Não.
– Por que? Você tá tão segura assim que eu não vou faltar?
– Não. Porque 'tô usando hoje.



terça-feira, 18 de novembro de 2014

Vestido de noiva

Fazia pelo menos um ano em que eu não pisava naquela rua. Ou pelo menos, que não chegava até àquela altura. Percebi isso quando fui identificando a loja ao longe e uma dor gigantesca me sacudiu. Tentei não pensar nela, mas antes que pudesse perceber, estava atravessando a rua. Queria saber se ele ainda estava lá e, dessa vez, queria olhar ele bem de perto.

Achei que era mais um desses momentos sádicos que eu reservava para mim mesma. Não sei porque queria me punir. Mas, por alguma razão, achava que tinha que encarar aquela dor. Ele estava lá, na vitrine da esquerda. Fiquei feliz ao vê-lo, pois sabia que agora, sim, eu poderia me punir observando-o.

Uma vendedora fumava um cigarro ao lado. Percebi pela visão periférica que ela me examinava. Por fim, ela deve ter decidido que ninguém seria louco o suficiente para passar alguns minutos parado em frente à uma loja de vestidos de noiva sem estar noiva. Ela apagou o cigarro com o sapato e deu uma última baforada antes de se alinhar ao meu lado e comentar:

- Esse é lindo, não é?

Pensei em respostas que não me delatassem.
- É sim. O mais bonito que eu encontrei até agora.

Ela perguntou se eu não gostaria de provar. Expliquei que estava esperando uma amiga que já devia ter chegado e que não queria incomodar. Seria melhor vir provar com mais calma. Ela insistiu.

- Se você não provar logo ele, não vai conseguir tirar isso da cabeça!
- Talvez...
- Vamos! É o que sempre dizem: é o vestido que escolhe a noiva. Você não pode perder essa oportunidade.

Me segurei para não dizer que aquilo era uma paráfrase de Harry Potter e dei uma olhada no celular. Não havia sinal da minha amiga. Então, concordei com relutância. Dentro da luxuosa loja, Milena se apresentou e começou a me oferecer cookies, biscoitinhos amanteigados e trufas (“é tudo sem glúten, viu?”), mas o medo de ser descoberta me impedia de aceitar qualquer coisa e me deixava cada vez mais desconfortável. Milena se deu por vencida e me acompanhou até o provador. Disse para eu ir tirando a roupa, enquanto ela pegava o vestido.

Quando ela chegou, não contive um suspiro de expectativa. Ela sorriu e confessou que adorava ajudar as noivas a encontrar seus vestidos dos sonhos. Dei um sorriso amarelo e lembrei daquele canal ruim cheio de reality shows inúteis. Enfim, ela devia estar assistindo muito.

Milena me ajudou a vestir com paciência. O momento pareceu passar em câmera lenta. A cada toque que eu dava nas rendas sentia um misto de paixão e desilusão. O vestido conseguia ser mais lindo do que eu lembrava. Mas a lembrança tinha deformado um pouco dos seus detalhes e proporções e, agora, eu me perguntava se não já não estava acostumada demais com a versão imaginária. A renda parecia diferente de perto. A alça um pouco mais estreita, a cintura, um pouco apertada. Reparava nesses detalhes quando finalmente consegui enxergar o panorama inteiro: eu, com o meu vestido de noiva.

O vestido que eu havia amado desde o primeiro dia em que vi. O vestido que eu sempre usava na nossa história de amor que, pouco a pouco, dia a dia, eu tinha escrito na minha cabeça.

Eu sei que sempre tive dúvidas em relação ao casamento. Mas, também por uma razão desconhecida, eu sentia que um dia usaria aquele vestido com você.

Me olhando no espelho, lembrei porque estava ali. Queria mais uma vez sentir a dor de não te ter mais comigo. A dor do meu fracasso. Era assim que eu enxergava o nosso fim. Queria me lembrar que não havia mais nada, apenas o vestido na vitrine.

Mas enquanto esperava a dor e a comoção, o vestido apenas me fitava do outro lado do espelho. E como ele era lindo!

- Esse vestido foi feito pra você! – disse Milena com olhos deslumbrados.

Sorri pro vestido no espelho. E fui me despindo com uma surpreendente constatação. Esse vestido não dizia nada sobre você. A minha vida não diz nada sobre você.

Essa é uma história sobre mim.



domingo, 9 de novembro de 2014

Do vazio interior (novamente)

Nos nossos últimos dias, eu costumava deitar cautelosamente a fim de controlar os pensamentos e não colocar as questões que deveriam ser colocadas. Exigia esforço, mas, dia a dia, eu conseguia. E sobre mim pairava, suavemente, o vazio. Que avançava e se recolhia até eu estar finalmente adormecida.

Hoje, carrego o vazio para a cama. Faço todas e crio novas questões. Preparo teorias e estabeleço associações para entender esse vazio que acabo atribuindo a sua ausência. Cutuco o vazio e vou tentando abri-lo um pouco mais. Transformo-o em balão, amarro ao peito e fico olhando-o sobre mim enquanto o sono se torna uma presença cada vez mais difícil.

Mas, por vezes, entre um pensamento alucinado e outro sobre nós dois, me pego fazendo novas questões sobre mim.

Por que insisto em me esquecer que o vazio já estava aqui?





Ps.: O título e um pouco do texto são uma livre inspiração descarada do livro Vazio Interior do selorabanete.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...