terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Elogio a um ano ruim



O fim de 2014 foi se aproximando e eu me peguei pensando em Ivana Arruda Leite e no seu livro Alameda Santos. A história é construída a partir de um ritual da autora de passar o réveillon bebendo e gravando as recordações de cada ano que se encerra. Lembrei do texto que escrevi sobre 2012 e decidi escrever este sobre meu 2014. Dois mil e treze, infelizmente, foi um ano pulado. Não só na escrita. E, esse texto, tem tudo a ver com ele.

Ao olhar para trás e tentar começar a delinear essa história, vejo muitos conflitos. Não brigas e desentendimentos, mas rebuliços internos. Nesse ano, me deparei com a situação mais assustadora da minha vida até agora. Me peguei aprisionada dentro de mim. O que talvez não fosse um problema se eu não tivesse me dado conta disso. Algumas reflexões que eu havia deixado espalhadas em várias gavetas e sacolas em cima do guarda-roupa, começaram a aparecer em cima da mesa. E, quanto mais eu me recusasse a fita-las, mais a vida se encarregava de torna-las necessárias.

Explico melhor. Em algum momento, olhei para os meus amigos e constatei estarrecida que tantos passavam por tantos desafios e dores! A dor deles era horrível. E, para mim, não me deixava esquecer que eu era ilha. Era presa dentro de mim. E que, por mais que eu achasse que entendia como eles se sentiam, eu sabia que não. Porque todas as minhas sensações estavam ligadas à mim de uma maneira frustrante. Eu me sentia incapaz, eu me sentia miserável. E tantos passavam por tanta dor!

Nesse momento, me senti afastada de tudo. De todos os que eu amava e que, naquela época, só me lembravam do meu egocentrismo. Não conseguia conversar realmente e me sentia forçada a interagir porque nunca havia me sentido assim. Eu, que sempre odiei estar só. O que ainda me fazia sentir ligada à “realidade” era o meu namorado e a interação diária que nosso relacionamento me exigia.

Lembro que, em algum momento, quando já percebíamos que algo não ia bem, eu fiz um pedido. Não me deixa, porque eu não consigo lidar com isso agora. Hoje, me pego pensando nesse pedido e me perguntando como pude ter feito um pedido tão egoísta. Não que eu achasse que comprometeria a felicidade dele. Mas, de toda forma, eu falava apenas de mim e do meu medo de ver tudo desmoronar. Eu não pedi para ele não me deixar porque eu o amava

Como vocês podem imaginar, esse relacionamento acabou. E, apesar de achar certo, por dentro, ainda me sentia abandonada. Tentei proteger a cabeça com as mãos e esperei tudo desmoronar. Queria contar que não foi isso que aconteceu. No entanto, não seria a verdade. Desabou um pequeno pedaço do meu teto. E, assim que caiu, algumas coisas ficaram muito mais iluminadas.

Olhei para os meus amigos e percebi que eles não esperavam que eu sentisse a dor e os problemas dele, eles só queriam que eu estivesse ali, feliz, ao lado deles. Olhei para o ano de 2013 e pensei que seria uma boa encontrar a Seane de abril e maio. Aquela que estava cheia de brilho nos olhos, falando sobre sinceridade, dando as costas para a ironia e desejando aprender coisas verdadeiras sobre a vida. Aquela que tinha parado de tentar lidar com a solidão e que tinha decidido, no final das contas, que solidão era algo que ela precisava buscar para crescer um pouco mais. Aquela que estava livre de relações sádicas. Aquela sem culpas.

Tive medo de ter perdido esse meu momento ao ter iniciado um relacionamento. Mas, quando finalmente encontrei com essa minha versão, descobri que eu ainda era a mesma (talvez um pouco mais interessante). E que 2014 era apenas a continuação de um ano de transformações profundas.

Não queria ser injusta com os amigos que entraram na minha vida e pareceram me entender sem dificuldades, ou com os que me aguentaram o ano inteiro, na TPM e no tédio dos fins de semana. Não queria ser injusta com o afilhado que chegou e já me proporcionou muito amor e admiração. Mas 2014, foi um ano de desmoronamentos. Na minha vida e na de muitas pessoas que estiveram ao meu redor.

Os desmoronamentos, entretanto, eram os passos que faltavam para mudanças permanentes e grandes aprendizados. O que desmoronou era o que havia do passado e que tentávamos segurar por muitos motivos, sem parar para pensar se era bom ou ruim. Até aqui, você tem toda razão de estar me xingando por esse texto clichê. Porém, não consigo evitar esse tom positivo. A magia desse ano ruim, para mim, foi revelar que, quando algo cai, você é quem escolhe se olha para os destroços no chão ou se para o novo espaço vazio que se revelou. Eu, agora, olho para o vazio e penso: Continuemos! Continuemos.


***
A Ilustração desse texto foi postada originalmente no blog Moldando Afeto, na seção cartas amarelas. Uma das descobertas apaixonantes desse ano.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Jornalista

Logo que o conheci, me interessei. Achei que poderia contar tudo sobre a sua vida apenas pela sua barba mal aparada, suas olheiras e aquele beck recém bolado em suas mãos.

Mais por querer confirmar minhas hipóteses, menos por querer começar um contato, iniciei uma conversa. Em algum ponto falamos de solidão, e eu, pressentindo a oportunidade perfeita, o bombardeei de perguntas. Não sabia se estava mais interessada no que ele dizia ou em confirmar minhas impressões. Era fácil confundir os dois, porque estavam tão próximos. Ele até me surpreendeu um pouco. Tive que reformular algumas ideias sobre ele. Contornar algumas dificuldades no modelo que desenhava. Mas, enquanto armazenava os dados na cabeça, algum software interno já acusava: É ELE! É ELE!

Satisfeita a minha curiosidade, o olhei atentamente. Parecia constrangido. Foi então que me dei conta da agressividade da minha abordagem e da cara de psicopata que eu poderia estar fazendo naquele momento. Percebi, ainda, que a última pergunta que eu havia feito dizia respeito ao seu último relacionamento e comecei a temer que já tivesse estragado tudo. Tentei pensar em algo que pudesse me salvar.

Ele fumava e olhava pro chão.

- Você é muito interessante! - tentei justificar - Mas acho que já está na hora de parar de fazer perguntas, né?

Ele sorriu, virou a cabeça na minha direção, me olhou e percebeu minha apreensão.

- Normal. Jornalista.

Suas palavras passaram a mão na minha cabeça. Aliviada, quis confirmar:

- Não estou te deixando assustado?

Ele deu um risinho que só percebi de perfil pela sua cabeça ainda um pouco baixa.

- O que foi?

- Meu bem, nesse momento, só consigo pensar em você pelada. Não é assustado que você está me deixando...

É ELE!     É ELE!     É ELE!


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