terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Jornalista

Logo que o conheci, me interessei. Achei que poderia contar tudo sobre a sua vida apenas pela sua barba mal aparada, suas olheiras e aquele beck recém bolado em suas mãos.

Mais por querer confirmar minhas hipóteses, menos por querer começar um contato, iniciei uma conversa. Em algum ponto falamos de solidão, e eu, pressentindo a oportunidade perfeita, o bombardeei de perguntas. Não sabia se estava mais interessada no que ele dizia ou em confirmar minhas impressões. Era fácil confundir os dois, porque estavam tão próximos. Ele até me surpreendeu um pouco. Tive que reformular algumas ideias sobre ele. Contornar algumas dificuldades no modelo que desenhava. Mas, enquanto armazenava os dados na cabeça, algum software interno já acusava: É ELE! É ELE!

Satisfeita a minha curiosidade, o olhei atentamente. Parecia constrangido. Foi então que me dei conta da agressividade da minha abordagem e da cara de psicopata que eu poderia estar fazendo naquele momento. Percebi, ainda, que a última pergunta que eu havia feito dizia respeito ao seu último relacionamento e comecei a temer que já tivesse estragado tudo. Tentei pensar em algo que pudesse me salvar.

Ele fumava e olhava pro chão.

- Você é muito interessante! - tentei justificar - Mas acho que já está na hora de parar de fazer perguntas, né?

Ele sorriu, virou a cabeça na minha direção, me olhou e percebeu minha apreensão.

- Normal. Jornalista.

Suas palavras passaram a mão na minha cabeça. Aliviada, quis confirmar:

- Não estou te deixando assustado?

Ele deu um risinho que só percebi de perfil pela sua cabeça ainda um pouco baixa.

- O que foi?

- Meu bem, nesse momento, só consigo pensar em você pelada. Não é assustado que você está me deixando...

É ELE!     É ELE!     É ELE!


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