sábado, 21 de fevereiro de 2015

Linda sem esforço: o implícito nos nossos ideais de beleza

Por sorte, sempre estive rodeada de mulheres fortes e guerreiras, o que me permitiu aprender um pouco sobre a vida e os pontos de vista dos outros e ter um pouco de empatia pelas batalhas de cada um. Recentemente, estava conversando sobre maternidade com uma amiga que teve seu primeiro filho há 8 meses. Ela desabafava sobre uma fotografia que havia visto em um site de informações para mães e que exibia uma mãe linda e arrumada, sorrindo feliz com seu bebê e seu marido, em um cenário de uma casa linda e impecavelmente arrumada. Ela não se reconhecia na foto. Ela olhava pra si e via uma pessoa que raramente tinha tempo para fazer as unhas. Ela olhava pra si e via uma mulher que no fim de cada dia estava exausta (se eu fosse ela, estaria exausta já no meio da tarde!) e que não pensava em muita coisa além de dormir.

O problema da foto, apesar de ser uma imagem puramente publicitária, é que ela falava para a minha amiga que talvez ela não estivesse dando conta completamente da maternidade. Porque não basta uma criança saudável e feliz, é preciso se manter dentro dos padrões de beleza (o tal do "se cuidar") e ainda manter a casa limpíssima! A foto não falava das ajudantes que aquela mulher hipotética com aquela casa hipotética deveria ter. Ou, mesmo sem ajudantes, do quão difícil aquilo seria na vida real.

Preparação para uma foto realista da maternidade

Você pode argumentar que era uma foto publicitária e que ninguém espera que aquilo seja realmente verossímil. Sim, de fato. Mas ainda como imagem publicitária aquele é um discurso que circula. Um discurso que fala sobre como devemos parecer, mas que apaga tudo o que é necessário para que aquilo seja alcançável.

Usei o exemplo da minha amiga para falar de algo a que eu aderi recentemente: a prática regular de atividades físicas. No meu caso, a prática da musculação. Toda vez que eu começava a praticar uma atividade física, eu pensava em como aquela atividade poderia me deixar com um corpo mais bonito (apesar de amar aprender "truques" novos e de ganhar disposição física). Mas, na hora do suor e do esforço, eu sempre descobria que era pesado demais. Era pesado o treino que você precisava fazer apenas para se manter saudável, já o treino para ter um corpo de TV era absurdamente pesado.

Quando eu comecei a querer começar a treinar PESADO, eu naturalmente comecei a reparar muito mais no corpos que encontrava ao meu redor. Eu olhava as lindas atrizes de Hollywood, com seus corpos trabalhosamente esculpidos, interpretando personagens sedentárias ou que pelo menos nunca apareciam fazendo atividades físicas.

A Angelina Jolie como sra. Smith, por exemplo, aparece escovando o dente e realizando algumas tarefas domésticas, mas nunca cuidando do corpo. Estava implícito, você pode dizer, afinal ela é uma espiã. Em um seriado que eu adorava, House, minha personagem mulher preferida era a diretora do hospital, Lisa Cuddy. A Cuddy tem um corpo absurdo de lindo, como o House vive reparando, é diretora de um hospital que vive tendo problemas e, no seriado, ela ainda adota uma filha. Depois que a Cuddy passa a ser mãe, ela aparece com cara de cansada em um ou dois episódios. Em um episódio específico, até lembro que ela menciona que vai correr, mas a prática de atividade física NÃO parece mesmo ser algo que faça parte da vida exaustiva dessa personagem, que, ainda assim, tem um corpo "perfeito". Genética, você pode alegar. Tudo bem. Deve ser a genética mesmo que fica implícita em todas as personagens (mulheres no mercado de trabalho ou donas de casa ou os dois) que nunca aparecem se esforçando para ter corpos que em tudo se aproximam do ideal de beleza.

"Academia, eu?"


Ah, mas talvez seja exagero querer que isso seja visível! Concordo. Afinal, é algo difícil e muitas vezes bem chato, que envolve pessoas suando e tentando superar seus limites. Seria bem chato mesmo se, ao retratar a rotina entediante de alguém, trocassem as cenas dela comendo cereal matinal cheio de açúcar por cenas dela indo à academia!

Só quando eu comecei a ficar atenta para o corpo que as pessoas aspiravam na academia, foi que eu comecei a pensar na disciplina que era necessária para que algumas daquelas atrizes exibissem aqueles monumentos. Fiquei durante muito tempo me perguntando se estava tudo implícito mesmo. E lembrei até de umas personagens que eram associadas a atividades físicas. A Claire Underwood de House Of Cards, que parece ser viciada em corrida, na sua primeira cena com atividade física, aparece correndo em um cemitério! (Por favor, sem spoilers porque só comecei a ver). Outra personagem que eu lembro é outra Claire, de Modern Family. A personagem mais chata do seriado, diga-se. Uma mulher, mãe de três filhos, que é daquele tipo temperamental, obsessivo e controlador. O mais engraçado é que a personagem da Gloria, definitivamente a gostosona do seriado, não é normalmente associada com atividades físicas.

"Hoje eu tô destruidora! Toca aqui!"


Mas o que isso tem de tão nocivo e prejudicial? Na minha opinião, é o apagamento do trabalho e do esforço por trás dos nossos ideais de beleza hegemônicos. A mim parece que é tudo bem encher o nosso entretenimento de mulheres malhadas, maquiadas, com unhas pintadas, cortes de cabelo em dia e depiladas, mas não é tudo bem admitir o que está por trás de tudo isso (às vezes nem isso é admitido, na verdade): quanto tempo, quanto esforço, em quais condições tudo isso pôde ser realizado. Esse apagamento pode gerar no mínimo duas consequências: em primeiro lugar, uma decepção ou resignação com a sua genética. Até outro dia, por exemplo, eu dizia que sempre tive barriguinha saliente e sempre ia ter mesmo que me esforçasse. Afinal, tem gente que não faz nada e tem barriga chapada! É a mágica do gene. Não tinha a ver com dieta restritiva muito menos com atividade física diária. Claro que não! Em segundo lugar, e mais importante, esse apagamento gera imagens equivocadas sobre os "cuidados" consigo. Idealizadamente, eles devem parecer com diversão e como um presente que você se concede de vez em quando. Na vida real, eles mais parecem um ritual: lavar o rosto com o sabonete X duas vezes ao dia, passar creme ao redor dos olhos ao dormir, tomar vitaminas para fortalecer cabelos e unhas, fazer 6 refeições ao dia, fazer as unhas uma vez por semana, utilizar máscara hidratante no cabelo por 5 min, exercício aeróbico 5 vezes por semana... E a lista cresce proporcionalmente com a sua idade!

As imagens equivocadas dos cuidados, também geram imagens equivocadas do desleixo. Como se fosse muito simples estar em dia com o ritual da beleza. E como se devesse ser uma escolha de todas estar em dia com esse ritual (sem parecer fanática por atividade física ou por maquiagem, claro, porque ninguém quer realmente saber o que está por trás da vaidade). Com base nesse equívoco é que algumas pessoas podem olhar para uma mulher que acabou de ter um filho (e a própria mulher pode olhar para si), por exemplo, e achar que ela está descuidada consigo. Porque ainda que sempre encontremos os esforços implícitos, o que está na superfície dessas imagens é apenas o ideal da beleza providencialmente desligado do seu contexto. Esse ideal da naturalidade e da falta de esforço é o que fundamenta o olhar de condenação ao que está fora do lugar. Esse último deve ter algum problema, pois fugiu do "natural". Não apagar o esforço e o trabalho por trás das imagens que consumimos, talvez seja um dos caminhos para começarmos a perceber esse cenário como uma questão de escolhas. E, quem sabe, para nos sentirmos melhor em relação às nossas escolhas.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Ainda

Sentiu-se só e de repente teve medo de perdê-lo. Nunca tinha sentido isso. Em relação a ele, pelo menos. Mas um filme de memórias – desses que parecem editados com filtro earlybird – começou a rodar em sua cabeça. Eram lembranças de beijos, pegações, romances e paranoias. No fim de cada cena, ele aparecia aqui e ali. E, quando a imagem era ela apenas sorrindo para o celular, sabia que do outro lado da tela também era ele.

– Quer chá?

Ele enviou em uma mensagem quando já passava das 23h.

Ela riu ao ler enquanto se arrumava apressada para o encontro daquela noite. Hoje não.

– Quer chá?

Ele enviou em uma mensagem quando já passava da meia-noite.

Ela esboçou um sorriso mas se sentia infeliz demais para se deixar seduzir pelo convite. Sairia de casa pela promessa de um amor, mas chá? Hoje não...

O hoje, no entanto, sempre foi relativo. Eles sempre pareciam desencontrados em seus compromissos. E o convite do chá, estranhamente, nunca parecia chegar na hora certa...

Sentiu o coração acelerar na mesma velocidade com que o medo de perdê-lo crescia. Não se perguntava o que seria exatamente isso, perdê-lo, mas sentia que tinha demorado demais. Ele estivera sempre ali. Como a resolução de um problema de matemática que parece insolúvel e da qual só nos damos conta no meio da noite.

Prendeu a respiração enquanto digitava, como se respirar fosse atrasá-la em algo.

– Ainda há chá?

Veio o primeiro marcador. Seguido por uma diferença de um segundo do próximo. Ao lado da foto dele surgiu a palavra online. Finalmente, os marcadores ficaram azuis.



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