quinta-feira, 16 de abril de 2015

Memórias do minhocão (I)

A primeira pessoa que me falou do minhocão foi ela. Até então ele era só meu vizinho, mas eu não sabia que existia essa possibilidade de conhecê-lo, nem que pudesse ter algo de interessante naquele rio de concreto cuja mata ciliar era toda composta de prédios desvalorizados.

Ela é desse tipo de turista nato, a Mari. Meus amigos maranhenses (e eu), quando vinham pra São Paulo, visitavam o Ibirapuera, a Pinacoteca ou o CCBB. Mas ela veio para visitar os amigos, dormir na minha casa sem móveis, conhecer um cachorro celebridade da internet e, se desse, passear pelo minhocão.

Não lembro se ela foi. Se foi, não foi comigo. Mas foi ela quem me deixou curiosa sobre o lugar. Talvez por isso, sempre acabo lembrando dela e pensando em como seria gostoso correr com ela lá.

***

Eu vi um incêndio.
 
Decidi voltar da casa dele andando. Com a mesma roupa da noite anterior. Com a bolsa pesada que eu odiava mas não conseguia aposentar. Com um sorriso nos lábios. E um olhar cheio de brilho que eu queria usar para redescobrir os detalhes do minhocão...

Algumas pessoas estavam reunidas em um ponto olhando pra algo no exterior. Não lembro em que ponto, mas devia ser na altura do metrô Santa Cecília. Achei que poderia ser uma intervenção artística, mas todos pareciam preocupados. Cogitei que mais um cachorro teria sido quase atropelado por algum ciclista. Olhei ao redor e até tinha um cachorro e um ciclista no grupo, mas ninguém olhava pra eles. Quando me aproximei, vi que o que impressionava a todos era o incêndio. 
 
Também me impressionei. Faz muito tempo que a gente não vê coisa assim. Parei e tirei uma foto pra enviar para ele.

Da última vez que fui lá, passei pelo lugar do incêndio e fiquei pensando se houve algo que deixei passar. Se o fogo ou a fumaça tentaram me dizer algo sobre as duas semanas que se seguiram. Sobre o incêndio que ele veria e me mandaria em fotos. Sobre tudo que se perde no fogo...

***

Talvez não seja o minhocão. Talvez sejam as pessoas. É gostoso quando ele está mais vazio, mas quando ele está cheio de gente correndo, conversando, fazendo churrasco e comendo em foodtruck (sim!), é que me dou conta de que a ocupação da cidade é a melhor ideia do mundo. A cidade é pra gente!

Acho que foi isso que senti na primeira vez que caminhei por lá. Acho que é por isso que sempre quero voltar.

***

Caminhar pelo minhocão é bom. Correr no minhocão é melhor. Quando eu corro, esqueço de pensar. Na verdade, tenho que ficar tão concentrada repetindo mentalmente "respira pelo nariz, solta pela boca", que esqueço de pensar em outras coisas.

Vou passando pelas pessoas e reparando do que dá entre o inspirar pelo nariz e expirar pela boca. Às vezes, flagro um casal em algum momento que o sentimento extrapolou. Ou vejo crianças quase caindo em seus patins e skates. E cachorros se aproveitando da desatenção dos donos. São momentos em que o tempo para. Tenho vontade de sorrir e nem preciso respirar.

Às vezes, o mantra aeróbico é substituído por pensamentos que surgem pequenos e vão se alargando até adquirir um peso desesperador. Tudo fica grave. Me sinto sufocar. Então percebo que apenas esqueci de respirar. Tudo volta ao seu lugar.

Não sei fazer duas coisas ao mesmo tempo.

***

Uma vez, levei três amigos pro minhocão. Eu não tinha plano. Achei que quando chegasse lá, eles iam sacar essa sensação louca que eu sinto. Eles não queriam caminhar. Um deles me perguntou para onde a gente estava indo. Fiquei desconcertada. O minhocão não é sobre destinos e chegadas. Ainda assim, prosseguimos um pouco mais.

Um deles era super calado. Não sei dizer se sentiu o que eu sentia, mas ele foi andando na frente até se separar bastante do grupo. Sumiu. Quando voltou, explicou que só quis ir até o fim.

Eu achava que o minhocão não tinha fim.
 
 
 

2 comentários:

Giovana Faviano disse...

Que tudo! :) É como a gente ta na cidade e a cidade ta na gente.

Giovana Faviano disse...

Que tudo! :) É como a gente ta na cidade e a cidade ta na gente.

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