terça-feira, 30 de junho de 2015

A história que escolhi contar

Tenho me pegado pensando muito em narrativas. Não é algo de agora, mas talvez seja algo que eu só consiga enunciar com mais clareza recentemente.

Uma vez, uma amiga triste e desanimada veio me relatar sua nova paixão. Até poucos dias, tudo ia bem, ela se divertia conversando e descobrindo interesses com o cara e sentia que finalmente estava diante de um novo amor. Mas ele tinha feito ou deixado de fazer alguma pequena coisa e era esse fato _que narrativamente também poderíamos chamar de a "intriga"_ que ela vinha me contar.

Para ela, tudo estava claro. Aquilo só podia significar descaso, falta de interesse ou dúvida da parte dele. Nenhuma das possibilidades era boa. Todas elas lembravam a minha amiga de outros romances que não tiveram um desfecho feliz. E ela sofria antecipadamente sem ao menos ter tido uma confirmação das suas suspeitas.

Para mim _que apenas escutava a história e conseguia ter algum distanciamento_ se tornava cada vez mais claro que nada daquele relato tinha algo de verdadeiramente ancorado no real. Ela não mentia. Mas os olhos e os sentimentos dela eram a lente com a qual ela enxergava e dava significado àqueles acontecimentos (ou, pior, com que ela elegia aqueles fatos como acontecimentos). Tudo era uma questão de como ela contava a sua história. Tudo era uma questão dos papéis e funções que ela atribuía aos dois personagens.

E se o que ele fez não significasse aquilo? Ou se ele nem tivesse reparado em determinada ação e comentário e no seu efeito sobre ela? E se dali a uma semana eles se aproximassem ainda mais e ele revelasse que também nutria o mesmo afeto que ela? Ainda assim aquele pequeno fato seria importante praquela história? Ele teria justificado toda a insegurança que ela agora tratava de atribuir a sua personagem?

Perceber isso ao olhar para a história da minha amiga, era bem fácil. Mas eu nunca tinha parado para pensar que eu também podia ter alguma autonomia na forma como eu narrava a minha vida. Então, comecei a me flagrar em todos os relatos em que eu assumia o papel de quem sofria, de quem lutava, de quem insistia e de quem fracassava. Em muitos casos, dava pra ser mais leve. Dava para reconsiderar o que seria selecionado como acontecimento decisivo. Dava pra repensar as intrigas e questionar se aqui ou ali havia realmente um clímax.

Quando a resposta _que eu esperava com muita expectativa_ para uma mensagem minha não chegava, por exemplo, ao invés de tentar decifrar as entrelinhas da metade que eu nunca alcanço nos relacionamentos, eu esperava um pouco mais antes de começar a enunciar aquela história:

Mandei uma mensagem, já faz umas quatro horas e nada de resposta.

Pensando bem, acho que ele tem falado cada vez menos. Só eu puxo assunto, só eu vou atrás.

Ele ainda não respondeu, acho que talvez eu precise passar alguns dias sem entrar em contato para ver se ele sente falta.

Amanhã ele responde. Amanhã alguém responde. Amanhã eu conto uma história de mim que valha a pena ser contada.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

E quanto mais estúpido, mais me entupo de amor





Não sei precisar em que momento da minha vida me tornei essa pessoa que cola coisas na parede, mas sei que de janeiro para cá, os cartões postais e os calendários passaram a dividir o espaço branco e texturizado das minhas paredes com uma meia dúzia de post-its. No começo, os post-its eram lembretes de insights que eu tinha durante os estudos ou avisos de algumas tarefas geralmente acadêmicas, mas, em março ou abril, comecei a sentir que precisa de mais. Precisava de inspiração. 

O ruim de precisar de inspiração é que você percebe que, sem ela, também se torna árdua a tarefa de escrever coisas que inspirem. Passei, então, uma tarde enchendo o saco de umas amigas no whatsapp e perguntando que pensamentos as animavam nos dias mais tristes. As respostas foram tão longas, que acabei desistindo e optei por escrever o clichê necessário nos meus pedacinhos de papel. Não sei se foi útil, visto que, uma vez escritos, eu parei de precisar deles e raramente olhava para a parede. Até outro dia, quando o comentário de uma pessoa que nunca tinha estado no meu quarto antes me fez lembrar da existência deles. Ter a experiência de ouvir alguém lendo as suas frases motivacionais é sem dúvida interessante e foi algo que ficou na minha cabeça. 

Entre as frases, eu tinha escolhido escrever “Nobody said it was easy”. Essa não é uma das minhas músicas preferidas, não sou fã da banda, mas, mesmo antes de escrever, me pegava repetindo isso ou cantarolando essa música enquanto lavava a louça. Na mesma época que isso acontecia, eu também estava ouvindo muito uma banda chamada Morphine e eu adorava a canção Scratch, especialmente a parte que dizia “I lost everything I had/ I'm starting over from scratch”. Mas esse era um trecho que eu cantava quando eu queria me lamentar mesmo. Então eu pensava: estou começando tudo do zero, que merda! E pensava isso especialmente em relação aos meus relacionamentos amorosos. 

Mas me lembrar que “ninguém disse que seria fácil” tinha o efeito oposto. Não me deprimia. Me lembrava de que ser fácil não estava no contrato. Então, por que eu deveria nutrir expectativas irreais? Também gostava dessa frase porque servia para tudo: para o amor, para o trabalho, para a academia, etc.

Mas quando outra pessoa a leu em voz alta, ela me deixou bem triste. Pois me fez pensar em como eu estava olhando para os meus relacionamentos. Me fez pensar nas pequenas, porém mais recentes, feridas. Me mostrou como eu achava que tudo estava sendo muito difícil. Sabe, aquilo de encontrar alguém que estivesse na mesma sintonia, no mesmo momento, de peito aperto, de não precisar pensar no que iria dar, de nem perceber que aquela pessoa se tornou uma presença diária, de chegar no momento do relacionamento em que um vira para o outro e fala “Precisamos de uma frigideira nova, essa perdeu o antiaderente”. 

Tudo era muito difícil. E eu estava completamente desanimada só de pensar no que eu teria que passar para chegar nessa fase. E lembrei que tinha falado muito e também escutado dos meus amigos: nunca mais vou encontrar alguém que me ame. Às vezes era ótimo pensar isso, porque tirava uma ansiedade imensa da vida. Mas, na maioria das vezes, estávamos bem desanimados mesmo.

Encontrávamos pessoas fantásticas que nos cativavam, mas algo na equação dava errado – sem entrar no mérito do que é “dar certo” – e, então, elas saíam da nossa vida. Porque queriam coisas muito diferentes; porque não sentiam que era o momento certo; porque alguém não estava tão interessado assim; porque urano estava na casa cinco ou qualquer coisa do tipo. Confesso que muitas vezes me peguei pensando que nunca ia encontrar outro alguém para cantar duetos da Disney comigo, ou para tentar me seduzir dançando, ou para sugerir a mesma posição ao mesmo tempo, ou para dançar funk comigo sem pensar que as pessoas ao redor provavelmente estavam nos julgando muito (mal). Mas enumerar todas as coisas que pensei que nunca mais ia encontrar me fez perceber como as pessoas que passaram pela minha vida, rapidinho ou demoradamente, tinham me proporcionado experiências tão legais que eu adorava relembrar e contar. E em como eu sempre pensava que ter determinada coisa em um relacionamento era importante até alguém novo me mostrar que haviam outras coisas que podiam ser igualmente ou mais importantes.

Essa semana, ao olhar para as frases na parede, senti vontade de trocar. Sai “Nobody said it was easy”, entra “I'm starting over from scratch”. Por que recomeçar algumas coisas do zero, às vezes só torna elas melhores.



Ps.: O título é uma adaptação de uns versos da música Insight do Jaloo que passei o dia ouvindo!

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