segunda-feira, 25 de abril de 2016

Alguém que me entende

Cheguei em casa bêbada. Com a sensação de que algo faltava. Sempre falta, eu sei. Mas dessa vez, faltava mais.


Checo o celular em busca de respostas e só encontro novas possibilidades de aventura. Boa noite, querido. Envio às 4h da manhã, esperando que ele encontre uma notificação minha ao acordar.

Isso não me basta. Não, não é ele. Continuo a fuçar. Fico surpresa quando verifico que tem uma nova mensagem do Pedro no Facebook, que chegou há três horas. (Há quanto tempo não falamos?) Na mensagem, ele diz que sou linda.

Não sei do que ele fala, mas me sinto grata. Mal sabe ele que se passaram quatro anos e ainda lembro de quase todas as conversas. Mal sabe ele que repeti a história do dia em que nos conhecemos hoje. Talvez seja a melhor história sobre encontros arranjados que você já ouviu. Mas fica para outra hora.

 Eu nunca deixo de amar  falo, em alguma altura daquela noite, para uma menina que me encara perto demais.
 Eu te entendo  ela diz cada vez mais perto. E eu começo a me perguntar se digo a verdade ou se só digo para assustá-la e afastá-la de mim como tenho afastado outros. Ela me diz que é de Libra. Eu digo, no automático, que nós combinamos.

Em casa, a mensagem do Pedro me faz sorrir no quarto iluminado apenas pela tela do celular. A mensagem me diz que eu amo e vou continuar amando. Amo para frente? Amo para trás?

 Cê tá solteiro?  sussurro no ouvido de um cara que passa ao meu lado antes de abraçar a libriana que me entende.

 Hoje não posso  despisto outro cara ao passar.

Sento na calçada do bar esperando pela minha carona. Um dia eu vou ser a bêbada chorona, sei disso. E, hoje, sinto que estou muito perto disso. Não tô bem. Aviso um amigo. Tô sofrendo. Eu me precipitei, sabe, achei que ele era a resposta para todas as minhas frustrações. Não percebi que não era isso. Sempre foi amizade, mas eu projetei nele o que eu queria, desabafo e reparo em seu olhar distante e embriagado. Melhor assim.

  O que você queria?  ele me pergunta depois de um tempo em silêncio.
 Alguém que me entendesse  respondo, olhando para o chão.

Quando crio coragem para encará-la, vejo seus olhos faiscantes.

 Eu te entendo ela responde passando a mão na minha perna.
 Acho que vou dormir  me espreguiço no banco do carro.


Quando dou por mim, estou deitada na cama. Tem uma mensagem não lida no Facebook. Mas alguma coisa falta.


Jenny Yu

domingo, 10 de abril de 2016

Gatinho, gatinho

Parte I


Nossos olhos se cruzaram por breves segundos antes que eu desviasse. Acho que nem o percebi direito. Mas dentro de mim, algo do inconsciente, deve ter providenciado aquele desvio de rota para que eu não pensasse em ousar realmente olhar em seus olhos, ou pior, sentir vontade de levá-lo comigo. Ele não era um gato insistente. Quando finalmente liguei a imagem dos olhos amarelos com o todo, o homem, o gato, e me voltei para olhá-lo, continuava calado, volta e meia dava uns passos em minha direção, parava, e me lançava mais um olhar inexpressivo.

Perguntei para o garçom se a mesa da calçada estava desocupada. Lugar para dois, por favor. Sentei, ele sentou ao meu lado. Pedimos cervejas para começar. Contei que não sabia beber aos poucos e fui enxugando o meu copo. Ele, de boquinha minúscula e bigode farto, sorria, me lançava olhares e ia bebericando no seu próprio copo. Ficamos bêbados. Parei de beber logo, pois bebia rápido. Mas ele, lentamente, ia enchendo a nossa mesa de garrafas vazias de Original. Volta e meia se distanciava um pouco da mesa e ia andando silencioso para mais perto da rua, onde fumava um cigarro, olhando para a frente, com sua seriedade de gato.

Perguntei se queria ir embora comigo. Disse que sim enquanto me lançava mais um olhar felino. Fomos direto para a cama. Disse onde ele poderia ficar sem correr o risco de ser esmagado e garanti que podia pegar um pouco da minha coberta. Desmaiei de sono, pouco após senti-lo se aproximando, colando a cabeça peluda em meus cabelos e se aninhando junto a mim.

De manhã, mal abro os olhos e já sei que seu corpo quente está desperto. Sinto uma pressão contra a minha bunda. Solto um gemido para avisar que acordei. Ele cheira e acaricia as minhas costas. Em pouco tempo, está por cima de mim. Silencioso e quase inexpressivo. Vem passeando com as patas pelo meu corpo e pela cama até se posicionar de forma que sua cabeça ficasse exatamente acima da minha. Me lança o olhar amarelo. Me dá beijos com sua boquinha. Às vezes tenho que parar para afastar o bigode, mas continuamos. Tudo é silencioso e lento nessa relação. Por vezes, eu estranho, mas logo sou invadida por uma sensação de conforto e aconchego. Começamos a transar e me pego pensando que não era assim que eu imaginava um gato fodendo. Nas aulas do curso de veterinária, falávamos de pênis com espinhos e gatos que seguravam suas fêmeas pelo pescoço para evitar que escapassem. Ele não procura essa posição e também não mostra as presas. Dá miadinhos quando está achando mais gostoso e parece todo dengoso.

Depois, descansamos. Ainda na cama. Ainda cheios de preguiça, feito gatos. Comento que achava que ele devia morder meu pescoço, que era uma prática obrigatória dos gatos. Ele ri. Falo do pênis também. Digo que não senti os espinhos. Não são espinhos mesmo, ele explica, o pessoal dos livros exagera. Levantamos e começamos nosso dia lentamente. Saio andando pela casa, sem saber bem o que fazer, como em todos os domingos. A diferença deste é que ele me acompanha. Sai andando atrás de mim, satisfeito e animado. Tudo na casa é novidade para ele. Brinca ao redor dos meus pés enquanto lavo a louça e cozinho algo. Deita no sofá, me esperando para assistir TV. Me junto a ele, que fica me esquentando no sofá, esfregando a cabeça em mim e pedindo carinho eventualmente. Às vezes, começa a pedir carinho com mais insistência e a me lançar aquele olhar indiscreto novamente. Então eu o expulso do sofá e ele sai se espreguiçando e rindo, dizendo que vai na lavanderia vigiar os penduricalhos dos vizinhos e fumar um cigarro. Ou, outras vezes, deixo que venha me dar uns beijinhos e acabamos, silenciosos, indo deitar em outro lugar.

Tento fingir que sou gata. E ele assume o papel de homem. Tento ser felina e ele se delicia, achando graça. Você é muito coelha, ele gosta de lembrar. Eu protesto. Coelho não faz barulho. Ele goza e ronrona.

Parte II


Meus olhos passeiam pelas janelas dos vizinhos, mas voltam ansiosos para vê-la na cozinha, lavando a louça da véspera e cozinhando. Seus movimentos em frente à pia, o barulho da água jorrando e o cheiro da comida convidam meus sentidos a passearem por aquele pequeno cômodo. Encostado na janela enquanto espero o cigarro se consumir, olho para sua bunda, a parte dela que a camiseta deixa revelar. Sempre achei sedutora esta combinação de camiseta e calcinha, perdi-me inúmeras vezes em jogos de sedução feminina quando me provocavam e me faziam imaginar que estavam vestidas assim.

A bunda dela, magra, com nádegas de curvas sutis, engole a calcinha. O tecido leve e transparente revela a pele branca coberta. Ela lava, cozinha e seus quadris lembram os movimentos da noite, os modos como ela foi me trazendo para dentro dela, me engolindo. Gata feroz, penso...não, seu jeito não é rude, selvagem. Senti-a ronronar enquanto meu peito deslizava pelas suas costas, corpos lado a lado na cama, ela apertando minha bunda e trazendo com sua mão meus quadris para próximos de si, para que se encaixasse no meu corpo, meu pau obediente iniciando mais um acasalamento na noite.

Deve ser mesmo este o mistério das felinas. Ferozes, nos envolvem com um encantamento que nos tira as forças. Aos poucos vamos nos entregando aos desejos que elas semeiam por todo nosso corpo. Ai... ao pensar assim, recordo-me de como sua língua percorreu meu corpo, mexeu com minhas intimidades, invadiu segredos, dominou-me com este deslizar úmido e penetrante.

Não há muito tempo para perder-me em lembranças, pois a ver assim, agora, com sua camiseta branca levemente molhada e delineando os peitinhos miúdos, faz com que eu me aproxime. Começo a sentir seu cheiro lembrando-me o suor da véspera. Ouço o sussurro de um cantarolar no movimento da respiração que me faz desejar novamente mergulhar-me em seu hálito. Meu corpo toca o seu, ela reage como se sentisse surpresa com meu pau encostando em sua bunda. Abraço-lhe e seguro suas mãos molhadas de água e sabão. Ela vira o rosto para falar algo, mas as palavras são engolidas pela minha boca. Um contato assim, tão intenso, parece um princípio de gozo, mais um.

Estamos presos a um tempo ansioso, diminuto: rapidamente arremesso nossas roupas para um canto da cozinha e vou em busca desses peitos mínimos, pujantes, os bicos saltando em minha direção. Mamo minha gata de pé como se fosse ao mesmo tempo seu macho e seu filhote, ambos atrás do alimento que nos saciará por alguns momentos. Sinto suas garras afiadas nas minhas costas... uhhh, com o reflexo da dor, avanço meus quadris e meu pau desliza por seus pelos pubianos fartos, aninha-se na sua buceta. Que prazer sem medida é sentir seu sexo molhado lambuzar meu membro! Penetro, mas sou subjugado. Macho, sou fêmea que entrega seu prazer para o deleite da minha amada, nossos gozos se derramam pelos nossos sexos, pernas, gotas molhando o chão. 


Toraji Ishikawa


Esse texto é uma colaboração minha (Parte I) com um amigo-escritor, Rafael dos Santos (Parte II).

domingo, 27 de março de 2016

Nunca mais ouvi Taylor Swift de manhã

Quando comecei a falar sobre você, achei que de alguma forma desvendaria todas as narrativas que escrevi sobre nós dois e que, deliberadamente, escondi em várias gavetas da memória. Achei que poderia reunir, em um lugar só, cada diálogo, cada lembrança, cada expressão sua.

Mais do que seguir o conselho que sempre dou ao Carlos, de não lembrar só das partes boas, no fundo, o que eu esperava era encontrar a prova irrefutável de que não havia nada para lembrar. O que descobri, no entanto, foi que você virou uma história sem periodicidade, que aparece no meu passado e continua reaparecendo no futuro. Sinto que o despi de toda individualidade. E que talvez não tenha sobrado nada seu no você que eu conto aqui. Desculpa?

Outro dia, estava lendo um livro da Nora Ephron e achei a seguinte passagem:
Ele me ensinou a cozinhar cogumelos e que se você aquecer bem a manteiga e colocar apenas alguns cogumelos na frigideira, eles ficam gostosos e marrons e crocantes, enquanto que se a manteiga estiver apenas moderadamente quente e você encher a frigideira de cogumelos, eles ficarão murchos e úmidos. Toda vez que preparo cogumelos, penso nele. Houve outro homem na minha vida, quando eu era mais jovem, que me ensinou a colocar coalhada nos ovos mexidos, e já que eu jamais coloquei coalhada nos meus ovos mexidos, eu nunca penso nele.

Fiquei rindo na cama e lembrei do dia em que mandei uma mensagem para o João. Eu dizia que, toda vez que olhava o emoji de coelho, me lembrava dele. Automaticamente, percebi que não costumava usar muito esse emoji. Apesar de amá-lo, gostava de usá-lo somente em ocasiões especiais, pois algo dentro de mim sabia que me traria lembranças.

No mesmo momento, pensei em você. Mas você não tem um emoji. Você tem toda uma playlist de música pop. A culpa não é minha de ter que voltar aqui para falar sobre isso mais uma vez, sabe? A culpa é desse sucesso que a Taylor Swift ainda faz.

Depois que você parou de me procurar, tive que escolher uma nova música para as minhas manhãs. E a cada nova pessoa que me aparece, mais músicas tenho que descobrir. Talvez, o que me deixe mais triste não seja exatamente não conseguir ouvir Blank Space ao acordar. E, sim, lembrar-me do que sentia quando a ouvia durante todas aquelas manhãs em que me senti apaixonada por você.

Talvez o que me deixe triste mesmo seja não poder mais ter a ilusão de que uma música do Justin Bieber me faria contar as horas para sair do trabalho e me jogar nos braços do rapaz que eu conheci no carnaval.

– O que aconteceu com aquele cara que você tava saindo? — Fernanda me perguntou quando nos encontramos no último fim de semana.

– Ah, não te falei dele, né? — Fitei a mesa de plástico do bar com cara de cansada e fiquei me perguntando se valia a pena repetir esse tipo de história  — Mas já era.

Sabe, o triste é saber que a lembrança do sentimento se cola nas coisas. Mas eu, bom, eu ainda me sinto desgarrada de tudo.

As portas do elevador se abrem e eu dou um último sorriso para ele. A gente se fala! Entro no elevador e me olho no espelho. Não sei o que tem nos espelhos de elevador. Sempre me pergunto se é a iluminação. Mas, hoje, eu sei que é cansaço e uma desesperança que só aumenta. Enquanto os números no letreiro luminoso vão diminuindo, fico apalpando, no bolso, todos os brincos que deixei cair na cama e que ele acaba de me devolver. Essa pele tá horrível, me censuro e fico pensando no quanto devo parecer patética com tantos cravos no nariz.


Fonte: Jenny Yu

domingo, 13 de março de 2016

O final que faltava

Finalmente decido abrir a última caixa com as coisas que trouxe comigo. Não espero encontrar você, não espero encontrar ninguém. Não espero nada demais. Para ser bem sincera, só abro a caixa porque preciso de um instalador que pode estar perdido entre as fotos que não tive coragem de descartar e os papéis que um dia podem voltar a ser importantes.

Vou retirando a proteção tosca que improvisei para os livros, quando escuto os primeiros cliques dos estilhaços de vidro. 

Ele entra no meu quarto e para de frente para o quadro. Lê ou observa, não sei.

Fico constrangida, mas não sei se devo interromper. Me arrependo de ter escrito aquelas linhas e ter transformado em quadro. É só uma poesia boba e brega, em uma colagem de mau gosto, da qual eu muito me orgulhava até aquele momento.

Ele se vira para mim.

– Onde eu posso deixar meu casaco?
– Onde posso te beijar?

Vou retirando os livros com cuidado para não enfiar o dedo em algum caco de vidro ou para não pressionar algum papel contra a superfície perfurante. Me revezo entre glorificar a genialidade de transportar um objeto frágil com mais de 15 kg em livros e pensar que esse era o final que faltava.

Você entra no meu quarto e senta na minha cama. Não repara no quadro pendurado em meio ao mar de branco das minhas paredes. E, quando penso nisso, ao mesmo tempo em que constato que já cortei o dedo, imagino que comentário idiota você teria feito.

"São Paulo quer me ver pelada", você leria e levantaria a sua sobrancelha esquerda como quem diz: sério?

Ele senta na minha cama e, com o olhar, vasculha todo o meu quarto. Olha os post it que escrevi para te superar. Agora sim, quero morrer. E prometo, mentalmente, nunca mais escrever nada nas paredes. Ele ri das mensagens motivacionais fitness, dá de ombros para algumas mensagens mais nerds, mas parece gostar de tudo e ignorar a mensagem que eu escrevi para você: junte os seus pedaços no lugar.

Estou juntando os pedaços. É só o que tenho feito nos últimos meses. Estou juntando tudo. Tanto que nem sei se todos vêm do mesmo lugar. Mas a frase está errada. Não há um lugar certo para eles. Junto todos os cacos na caixa de papelão e varro o caminho para que ninguém mais se corte.

Ele me diz que tem uma frase para a minha parede, que vem de uma música. Então canta para mim que...

Tudo é uma questão de manter
A mente quieta
A espinha ereta 
E o coração tranquilo.

Digo que vou anotar e aproveito para rasgar o post it que me diz para lembrar das partes ruins. Onde anotei que você fazia piada dos meus textos e demorava para juntar os cabelos do ralo do chuveiro.

Retiro o quadro quebrado da caixa e fico encarando a superfície danificada. Não consigo deixar de achar bonito. É bonito que as coisas se acabem assim. Que você e ele e o João e São Paulo tenham feito isso comigo. Me acho boba por ter tentado carregar algo, ter tido o trabalho de despachar, de acertar o endereço, mas não ter tido o cuidado de proteger, de resguardar.

Encaro os rasgos, amassados e os versos cada dia mais bregas. Sou eu! E não haveria um final mais perfeito para nós. Minto, é um final perfeito para mim. Nessa história sobre os meus sentimentos. Sobre os sentimentos que eles me fizeram sentir. Mas que senti só.

Prefiro que acabe com um quadro estilhaçado. Que com uma mensagem que não vem. Ou um booty call futuro. Ou um último like em alguma foto de perfil. Prefiro que acabe com essa superfície danificada que com:

Tá.


Ou um emoji qualquer.


Jenny Yu

segunda-feira, 7 de março de 2016

Ele não gosta de mim

Acordo às sete da manhã encharcada de suor. Lá fora a temperatura deve estar em 20°C. Não faz sentido.

Prostrada em um colchão no chão de um quarto quase sem mobília, penso no sonho que acabo de ter. Estou no ônibus a caminho de casa (que casa?) e, por algum motivo, carrego uma dor imensa. Penso em chorar. Sinto que preciso, mas acabo me distraindo ao olhar para a garota de rosto inchado ao meu lado.

Ela também se vira pra me olhar.

– O que houve? – antes de conseguir me segurar, deixo escapar.
– Foi esse cara que conheci...

No sonho, ela narra cenas de amor, incompreensão e abandono. Fala de alguém que voltou a fazer seus olhos brilharem, se censura por ter se entregado tanto (Eu vi alguns problemas nele, sabe, coisas que me incomodavam, mas ele me tratava bem), relata o distanciamento (Parei de curtir as fotos dele e ele retribuiu), cogita uma explicação...

– Ontem eu vi um like dele – ela diz e me olha com receio de parecer doida – Eu sei como ele age quando está a fim de alguém...

As minhas lágrimas finalmente começam a cair. Ela me olha surpresa:

– Você também gosta dele?
– Sim – me surpreendo admitindo isso. É a primeira vez que eu falo: eu gosto de você.
– Como foi com você? – ela me pergunta voltando a chorar.
– Foi… foi igual – consigo dizer antes de desabar no choro.

Foi igual. E talvez não seja tão dolorido saber desse novo amor quanto saber que houve outra que, por alguns encontros, você fez se sentir especial. Durante todos esses meses, me perguntei se você nunca pensava em mim. Se nunca sentia uma dor no peito ao saber que não conseguíamos fazer tudo se resolver. Se não te incomodava que eu tentasse te afastar e te bloqueasse de tudo para logo em seguida me sentir ridícula e readicionar.

Durante todos esses meses, eu esperei por essa notícia que me libertasse: tinha alguém. Alguém mais especial.

Mas a verdade é que existiam várias. Existem mulheres que choram no chuveiro no dia do aniversário. Provavelmente depois de receber um “Parabains" seu. O que isso faz de mim? Onde isso me coloca? No que você transformou o meu personagem na minha própria história?

Fito o teto do quarto e penso se devo levar esse sonho para a análise. Ou se devo simplesmente levá-lo comigo. Lembro da garota do sonho que me diz ter colocado lembretes no celular para fazer um descrushamento. Ele não gosta de você. Penso que essa informação já estava dada desde o princípio.

Talvez deva adaptar o meu lembrete para "Você não é especial". Mas confesso que tenho medo de lembrar e acreditar demais nisso. Tenho receio de um dia precisar ser especial para alguém e não conseguir mais.

Jenny Yu

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

É assim que termina

"Pensei que poderia descrever um estado; mapear a tristeza da perda. Mas esta se revelou não um estado, e sim um processo. Não precisava de um mapa, mas de uma história, e se eu não interrompesse num ponto arbitrário qualquer, não haveria razões para parar de escrevê-la."
(C. S. Lewis apud Vanessa Barbara, Operação Impensável)


Ainda estou desfazendo as malas. O primeiro passo foi decidir falar sobre você. Confesso que é estranho ter que pagar alguém (não se ofenda, Analista) para deixar algo. Mas eu precisava deixar com alguém essa história. 

Nem tudo se resolve. Ainda abro tuas redes sociais e me revezo entre te querer por perto, te ressignificar como amigo, te ironizar como crush ou tentar te apagar de vez. Estou longe e, de longe, é mais fácil relativizar. Está tudo ao meu alcance, não acha, Analista? Mas nada se resolve assim. Ainda tem dias em que me pego cantando músicas românticas no rádio, a caminho do trabalho, e, no primeiro sinal fechado, olho esperançosa para o celular. Quem sabe o João? Quem sabe você? Quem, sabe?

Em um dia um pouco mais sufocante, envio mensagem para o João e pergunto como ele está. Ele me conta sobre a sua vida como se nada tivesse acontecido. Diz que quando quiser, posso visitá-lo, conhecer o seu novo lugar. Fico feliz e triste. Feliz por ter a impressão de que está tudo bem entre nós. Triste por ele ter sumido mesmo estando tudo bem.

No dia seguinte, ele me manda uma nova mensagem. Uma foto da janela. 

Olha onde eu estou morando!
Uau! Tem vista para a praça!
Daqui dá de ver o lugar onde a gente se viu pela primeira vez.

Da janela do apê, João me olha. De calça jeans e blusa colada, dividindo uma cerveja em um pequeno bar.



 Mas você volta?  você me pergunta, via mensagem, depois de descobrir que parti.

Tento adivinhar com que entonação você fez essa pergunta. Gosto de imaginar que pode ter sentido algum medo de ter me perdido.


Não sei.

O significado dessas palavras pesa em mim.

 Talvez eu volte por uma semana...

 Que semana?

 A próxima.

 Putz, vou tá cheio de trampo!


Jenny Yu


terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O fantasma

Parece que eu ganhei seu unfollow, não é?

Me surpreendo quando leio a sua mensagem e encaro o celular incrédula por alguns minutos. Por que ele se importa? Pensava em como reagir e me surpreendia comigo mesma por ainda não ter essa resposta mesmo sabendo que havia desejado que você reparasse na minha ausência entre as suas centenas de seguidores.

Havia uma resposta simples. Porque você tinha parado de curtir minhas fotos e postagens. Porque ignorava minhas interações. Porque você me lembrava do quanto eu me sentia rejeitada a cada momento em que alguma coisa tua aparecia na minha timeline

Meus amigos disseram para te excluir logo que você sumiu. Mas eu tinha medo de confessar que me importava. Ou de que não sabia encarar uma rejeição. Mesmo que nunca tenha aprendido mesmo. Talvez eu devesse ter procurado essa terapia nessa época, sabe, mas eu me consolava repetindo o mantra de que talvez o problema não fosse meu. Quem poderia superar algo sem saber o que, de fato, era necessário superar?

Eu não podia me consolar com mensagens de "nunca mais faço isso ou aquilo" porque era muito difícil saber onde eu tinha errado. Era difícil até mesmo saber se houve algum erro, porra! Às vezes eu tenho a impressão de que cometi um erro atrás do outro quando parei de te entender. Como é que você entra assim na minha vida, fofinho, só para decidir sair?



Você vem me ver essa semana?  decido enviar uma mensagem para o João depois de duas semanas sem nos vermos.
Renata,  ele começa a mensagem me chamando pelo nome não posso, minha vida tomou novos rumos.
Penso no que aquilo pode significar e decido não ficar com a dúvida:
Você não quer mais me ver, é isso?
Não, a gente pode se ver, mas preciso resolver umas coisas...

Decido que o melhor é dar espaço para ele. E encaro o espaço que preenchi de tantos afetos efêmeros. Está ficando deserto. Está ficando infinito. 



Aparece uma publicação sua no meu feed do Facebook. Muitas curtidas. Entre elas pode estar o porquê desse distanciamento. Um dos nomes salta da tela e dança na minha frente. Estou pálida e com o coração apertado. Vinícius. Esse é o nome que quase nunca consigo pronunciar. O que ele faz aqui?

Saio da frente do computador anestesiada. A vergonha parece que não cabe em mim. Quero deixar de existir, por favor, alguém! Tenho pesadelos à noite. Imagino você e o Vinícius trocando figurinhas sobre mim. O que acham de mim? Insegura? Ridícula? Ela é louca, vivia atrás de mim. Passou mais de ano atrás de mim. Tive que bloquear ela das minhas redes sociais. Você assentindo com a cabeça: oloko, ela me assustou mesmo. Ainda bem que me livrei dela. A interação entre vocês variava, ora não sabiam de mim inicialmente e só descobriam ao longo de uma conversa, ora tinham se tornado amigos por esse problema em comum. 

Não podia deixar de achar cruel que, em algum momento da minha vida, alguém tivesse pensado em reunir as duas pessoas que mais me rejeitaram. Sentia vontade de me defender. Não é bem assim, fofinho, você está me interpretando errado. É diferente! Eu sabia que ele não queria nada comigo, só ele não sabe que eu também não. Eu tenho um jeito estranho de demonstrar isso, eu sei. Mas, eu juro, é diferente.

Você, caramba, você parecia gostar de mim. Você parecia me querer por perto. Para me exibir como uma conquista louvável. Eu não teria insistido em você se não tivesse sentido isso. Eu não estaria escrevendo sobre você se tudo fosse tão claro quanto "ele não está a fim de você".

Você é um escroto! Você é como ele! Eu explodia internamente.



O mundo parece que vai desabar todo de uma vez. E não existe lugar onde me refugiar. Depois do João, envio mensagem para você e para o aquariano que conheci em uma festa. Ele inventa uma desculpa, não quer, ops, não pode me encontrar. Você...

Visualiza. E. Não. Responde.



Desculpa  finalmente decido te responder
Fiz algo de errado?
Não, fofinho, não fez. Só não tava me sentindo bem acompanhando as suas redes.
Posso saber por quê?
Já disse...

Não gosto de me sentir rejeitada.



Eu vou embora  aviso o João por mensagem
Sério? Você já se decidiu mesmo?
Já. Já falei para a minha família
Quando você vai?
Em um mês.

O João soube antes de todos os meus amigos. Ele, que me amou mais que os me amaram sem talvez nunca me amar, foi embora antes de mim.



Esse livro é ótimo  o aquariano disse espiando um livro jogado em cima da cadeira do meu quarto.
Você quer? 
Por que você vai dar seu livro?
Não vou conseguir colocar tudo na mala.
Você vai embora?
Meus olhos enchem de água. Rolo pela cama até ficar de frente para a parede e de costas para ele.
Vou...
Ele fica em silêncio e promete não me fazer mais perguntas. Acrescenta:
Quero te ver antes de você ir.

(Não vou conseguir ir te ver. Ele me fala um dia antes da partida).



A mala que eu carrego é pesada. Tento deixar o que não vai ser útil, me esforço para desapegar de tudo. Penso que não deve ser difícil para alguém que sente que não tem lugar. Tento me doar ao máximo, mas,  quando olho para trás, vejo que nada fica. Meu deus, não fica nada!


Não deixo nada. Em ninguém. 


Jenny Yu

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

É assim que começa

Na narrativa que eu escrevi, eu sou a moça que não espera nada de um encontro com o moço que conheceu na festa. E você é esse moço, a pessoa mais desencanada que eu já encontrei. Nessa história, o rapaz pode apresentar a moça para os seus amigos e brincar de mandar emojis apaixonados. Nela, eu posso escrever teu nome no caderno, emoldurar com corações, fotografar e te enviar pelo WhatsApp. É permitido constranger as pessoas ao nosso redor com danças imorais e cantar músicas pops.

 O que acontece quando você envia versos de funk ousadia para uma gatinha por áudio de WhatsApp  você brincou enquanto trocávamos links de músicas escrachadas.
 Se fizer esse texto vai ter que me pedir em casamento  respondi.
 Oloko
 Ué, mas é verdade. Tem que terminar o texto com: "o desfecho vai te emocionar"...
 Você não vai acreditar no que acontece no final!

O enredo está aberto para pedidos de casamento irônicos. E para planos de programas futuros que nunca precisam se realizar. A narrativa permitia dormir abraçado e pedir opinião sobre os textos escritos. Também permitia reclamar _pelo menos eu achava que sim. 

 É assim que começa! uma amiga me disse quando eu falei de você. 

Na narrativa que eu escrevi, a autora ainda não tinha se decidido sobre essa relação se tornar algo estável e nomeável. Mas eu tinha adiantado uns dois capítulos sem você saber. Nesses dois capítulos, a única intriga era a nossa implicância diária. No mais, a gente continuava a se ver semanalmente e permanecia sem se questionar quanto aos rumos que deveria tomar. Nada era dito, tudo era natural. Natural. Seguindo em fluxo.

Quando começo a escrever uma história, não quero parar. Não sei reescrever, continuo escrevendo para tentar recuperar qualquer falha. Devia ter ouvido teus comentários, devia ter parado, ali, no momento em que você diz que está tudo indo rápido. Não está, fofinho. Não tenta ler entrelinhas. Não tenta significar. Te implorei mentalmente. Devia ter dito em voz alta que eu só queria essa chance para me entregar sem pensar.

O João chegou na minha casa quando eu ainda me constrangia pelo enredo ruim da nossa história. Se criticam 500 dias com ela, quem dirá isso aqui! Deitei a tela do computador para me deitar com ele. Não pensei em nada, não fui nada. Nada além da terceira opção do Tinder. A primeira gostou dele, a segunda ele gostou. E eu?

Quando acordo, estamos andando de mãos dadas, eu e o João. Ele tinha se oferecido para me acompanhar na minha caminhada matinal e cruzávamos ruas desertas na Santa Cecília. João nunca falava muito, mas, nesse dia, me contava sobre a ex-namorada. Em geral, as pessoas não gostavam de falar sobre seus relacionamentos antigos, por isso, me senti mais próxima dele. Ele falava sobre um relacionamento de cinco anos. Falava sem nenhuma paixão, com voz de domingo. 

 Quando a gente se conheceu, os dois estavam muito mal. Foi a tristeza que uniu a gente. Ela era a única que conhecia o que eu tava sentindo.
 E mesmo assim vocês passaram cinco anos juntos? perguntei com a minha surpresa de quem vive eternamente apaixonada.
 Sim. Era... era só tranquilo, sabe?
Penso que todos os relacionamentos do João devem ser tranquilos. E, por alguns segundos, me pergunto se é possível que exista mais paixão entre nós do que entre ele e a namorada antiga. Tesão acho que sim.

Continuamos andando. Ele me pergunta se quero um caldo de cana e nós paramos a nossa caminhada por alguns segundos. Pego meu copo de caldo de cana com gengibre (Você vive me ensinando coisas!, João exclama tomando o caldo dele) e me flagro indo em direção ao meu lugar preferido, puxando o pela mão.

 Eu adoro esse lugar deixo escapar.
Ele não diz nada, olho para seu rosto e vejo brilho nos olhos. Sorri para mim. Sinto que me agradece e afundo dentro de mim.

Percebo que João interpreta o papel do personagem que concebi pensando em você. A falta de preocupação, a ausência do medo de se entregar. Até na presença, no companheirismo. Guardei o Minhocão para correr com você. Para voltar da sua casa contando passos e tirando fotos das coisas que você não podia perder. Tanto que eu planejei dividir! E, sem querer, me vejo carregando um João feliz em um sonho que ele imagina só meu.

Acelero o passo para chegar logo em casa. Ao chegar, João me pergunta se podemos assistir mais um episódio do seriado que tínhamos começado juntos. Vamos!

 Você assistiu algum sem mim? ele me pergunta enquanto estamos nos arrumando para começar.
 Não.
Nos olhamos alarmados. Ele se pergunta se estou esperando por ele. Eu, se ele queria que eu esperasse.

É assim que começa?


(Isso aconteceu umas duas semanas antes de o João parar de me mandar mensagens).


Jenny Yu

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Hipótese 2

Fernanda olha para o horizonte contornado de prédios. Estamos sentadas há alguns minutos esperando que o descanso chegue instantaneamente apenas por termos decidido passar algum tempo contemplando a paisagem. Nesses últimos tempos, toda vez que me vejo em um lugar que possua pelo menos os requisitos básicos para parecer contemplativo sinto essa necessidade de imediatamente relaxar e me sentir melhor. Nem sempre funciona, nem sempre faz qualquer sentido.

– Eu acho que o problema desses caras com quem você sai é que eles não tão preparados para uma mina como você – ela solta.
Fico satisfeita e aflita com o comentário.
– Não é isso...
– É sim, pensa só: você é inteligente, você é engraçada e você é muito de boa, sabe? Parece ser independente demais. Mais independente do que os caras querem.

Lembro-me do nosso primeiro encontro. A gente se pegando na parede da balada quando você, de repente, solta que valeu a pena ter passado todo aquele tempo falando comigo no WhatsApp. Eu rio. Você nem falou tanto assim, vai. Penso nos amigos com quem passo 24h conversando. Você me olha assustado. Nossa, como você é carente!

– Talvez eu não pareça tão independente nos relacionamentos amorosos. Você tem uma imagem muito boa de mim, Fê – fico aflita de decepcioná-la.
Olho para o mesmo pedaço de horizonte que ela.
– Sabe o que eu acho? Não é que eu seja boa – vamos admitir que isso é um bocado pretensioso – é que eu não sou nada ainda.
– Como assim? – Fernanda me olha alarmada.
– Ah, sabe, talvez eu não seja mesmo o que um cara bem convencional espera. Isso de ser vaidosa, de ser bonitona, de ser frágil e tudo. Mas a gente convive com caras que vão além de disso, num é? E, para esses caras, acho que, às vezes, eu não sou o suficiente, sabe? – Fernanda fazia caretas em protesto – é que… sabe, sou bem convencional e tudo. Não sou aquela mulher livre. Acho que o modelo de mulher que esses homens procuram é a artista de teatro que anda sem sutiã. Puxa, até eu iria querer essa mulher!
Fernanda ri da minha cara.

A segunda hipótese dessa história é que eu assustei você. Mas quem me diz isso são os amigos que acham que sou boa demais. A verdade é que eu tenho medo, muito medo, de achar que sou boa para alguém. E eu só comecei a falar sobre você porque eu queria revisar mais uma vez essa história, passar um pente fino, só para ter certeza de que não foram meus erros que afastaram você.

– Eu fiquei assustado e me afastei, confesso – você diz na saída da padaria a caminho da sua casa – Eu sou assim.

Olho para a faixa de pedestre à minha frente, então, só imagino o teu dar de ombros após a última frase. Você diz isso no meio de uma conversa maluca em que cada um diz uma frase que não explica nada.

– Eu não vou falar que estava apaixonada, mas você me interessou como ninguém tinha me interessado.
– Você exigia demais de mim...
– Eu só queria entender se você tava zangado comigo...
– Eu tava com muito trabalho.
– Nunca entendi porque você me deu um bolo.
– Eu te dei um bolo?
– Sim! Aquele dia que você marcou comigo, sumiu e eu fiquei chateada.
– Ah, rolou isso. Mas você queria sair demais... – Rolou isso? Sinto que minha cabeça vai dar um nó.
– Eu pensei que tivesse feito algo de errado...
– Achei que você me queria fora da tua vida depois de ter me excluído de tudo.
– Eu disse que não queria mais me sentir rejeitada.

– Que bom que você veio hoje.

Entramos no elevador sem trocar uma palavra e continuamos em silêncio até chegar ao meio do teu apartamento. Coloco a bolsa na cadeira mais próxima. Você me encara. Damos o primeiro beijo da noite. Um beijo sem sentido como tudo que envolve essa relação. Minha boca e a tua parecem lutar pela reconciliação, a sede é seca, a saliva parece errada. Tá tudo errado. Falta alguma coisa.


Peço para você colocar uma música. Você me pergunta o que eu gostaria de ouvir apenas para se recusar. Escolhe sua própria música, eu reclamo da escolha. Não sei porque não podia ser Nicki Minaj. Você vem dançando para mim. Me beija e sorri. Deixa eu ver se essa bunda tá dura, sussurra no meu ouvido. Não falta nada. Nessa noite.


Jenny Yu

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Hipótese 1

Não sei bem como esse lance da terapia funciona, Analista, mas acho que queria trabalhar em cima de algumas hipóteses. Eu nunca sei o que você está realmente pensando, mas acho que podemos começar pela hipótese número um. A hipótese segura. Com certeza ela já passou pela sua cabeça, acho.

– Ele só queria te comer, Rex – uma vez o Carlos me disse depois que reclamei que você não curtia mais as minhas fotos do Instagram. Foi Carlos quem disse, mas poderia ter sido Fernanda, Paula ou todas as amigas que já foram obrigadas a me ouvir falar de você.

– Me manda nudes – você pediu após eu ter enviado uma mensagem com o coração na mão, temerosa de mais uma rejeição, dizendo que queria te encontrar. Mando uma foto improvisada do sutiã.
–  Quero mais. Quer ver como você me deixa?
Eu queria. Queria ver ao vivo.
– Você sabe que eu sempre gosto de uma putaria com você, né?
Me sinto pequena e desabando. Não sei, Fofinho, não sei nada. Não sei o que isso quer dizer.

Se eu quisesse selecionar os trechos que comprovam essa hipótese, seria fácil. Talvez "ele só queria te comer" seja uma narrativa bem manjada. Com certeza, é muito mais fácil organizar tudo assim. Enquadrar, encaixar e compreender a ter que sentar e falar de você.

O que eles não percebem é como essa explicação me diminui e me apaga. No fundo, você é só uma garotinha querendo ser amada. Alguém me disse um dia. Foi dito como uma quase ofensa. Mas se eu volto para essa frase não vejo nada de errado, no duro. Porque sinto que isso não me diminui automaticamente, o que me diminui é eles acharem que você só queria me comer.

Um mês depois do nosso terceiro encontro, recebo um email avisando que você me mandou uma mensagem privada no Twitter. "Sdds". Não sei se era vício ou preguiça, mas até para dizer que sentia minha falta você fazia pouco caso (Analista, você acha que era o caso dele também ter medo de ser rejeitado?). Fui sincera:
– Também, Fofinho – a essa altura Fofinho era a palavra-chave para que eu pudesse me referir a você com carinho e ironia.
– Vamos sair pra tomar umas?
Olhei perplexa para as letras no computador. Topei.
–  Quinta é bom pra você?
– Nenhum dia é bom pra mim, Fofinho. Mas eu faço esse esforço por você –  Será que eu vou conseguir alguma pista de por quê ele sumiu?
–  Certo. Então, a gente deixa pra quinta. Mas não é certeza. Eu te confirmo.
–  Tá... Mas faz um esforço pra não furar porque agora eu quero essa transa.
–  Nossa, que abusada! Só te chamei para sair e tomar umas e você já tá pensando em transar?
–  Ué, achei que era isso. Dsclp – abreviei o pedido de desculpas para não demonstrar que estava mesmo envergonhada – A gente pode só tomar umas sim...
–  Não, uma transa até que cairia bem nesse friozin.

O que eu odeio nessa hipótese é que a minha vontade é apagada. A minha vontade e a minha capacidade de análise. Como se estar emocionalmente envolvida me impedisse de ver quando alguém me procurava para transar. E, pior, como se eu nunca tivesse aceitado, usufruído e mesmo desejado a certeza da relação "só queria te comer". Odeio o "ele", odeio ser o objeto da ação nessa hipótese, mas amo a certeza. A segurança das relações que se entendem completamente é a maior dádiva que eu poderia desejar, nunca perceberam?

E, ainda, se o seu interesse fosse puramente sexual, acredito que teríamos aproveitado mais. Eu não teria dormido tantas vezes com um "vamos marcar" na cabeça e uma linha fininha de esperança no peito. Pior, se eu ainda acreditasse no "ele só queria te comer", eu não teria passado tantas noites pensando em você. E não teria me pegado, um dia, perguntando em voz alta para o formato imaterial do teu corpo na minha cama: por quê?

Nesse "por quê?" cabia uma infinidade de outros. Por que você dançou comigo. Por que foi me encontrar na janela do teu quarto e chamou minha atenção. Por que você me fez deixar de encarar a fumaça lá fora para te ver cantando uma música romântica e se aproximou para me abraçar. Por que você quis me mostrar o teu mundo e fez aquele olhar de apreensão enquanto esperava a minha reação. Por que você tentou me animar pela manhã e aceitou colocar a música que eu ouvia sozinha todos os dias ao acordar. Por que você fez coreografias comigo e me fez achar que finalmente eu estava diante de alguém que não iria me julgar, para quem e com quem eu não precisaria me esforçar para ser aceita, admirada e amada mesmo quando contrariada e ranzinza. (Mesmo quando dizia que você não devia beber tanto durante a semana e virava a cara para as suas escolhas culinárias).

Eu sei, analista. As perguntas são retóricas. Já as fiz até ter a resposta. Eu, por exemplo, eu amo a certeza. A única coisa que amo mais é acreditar que amo. E aquela coisa do terreno incerto, do controle levemente fora de alcance. 

Acho que você foi assim. Você quis viver tudo que eu podia te dar. Não sei se, para você, foi o bastante (torço para que sim), mas, para mim, foi o suficiente para me fazer esquecer do caminho de volta.

Eu entendo. Eu acho que entendo mesmo você. Noutro dia, acordei assustada com o barulho dos carros e observei o João dormindo ao lado. Tínhamos pegado no sono depois de transar e ele ainda segurava a camisinha na mão, adormecido. Levantei para jogá-la fora, fechar a janela e a cortina e procurar o lençol para nos embrulhar. Naquele momento, senti que amava o João o máximo que eu podia amar.


Jenny Yu

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Não vou com a cara dele

Carlos me manda mensagens para dizer que vai mal. Não está fácil lidar com o fim do último relacionamento. Pela primeira vez, fico sem saber o que responder. Penso em você, em como eu gostei do nosso primeiro encontro e na minha expectativa, que cada vez se mostra mais concreta, de continuar te encontrando. Me sinto transbordar. Seguro a minha felicidade boba entre as mãos como se segurasse uma das minhas hamsters por alguns instantes antes de responder às mensagens.

Algo nas minhas respostas deve ter me entregado. Carlos se lembra de que eu tive um encontro. E o ruivo? Ele erra a pergunta propositalmente.

Não saí com o ruivo.
Mas e aí? Como foi?
Foi incrível – não preciso ser pouco exagerada com ele.
Hum...

Fazia muito tempo que não conseguia dormir tão bem com alguém como foi com ele. Eu não sentia isso desde o meu ex...
Nossa, Rex... Você GAMOU?
Hahaha. Não sei, mas tô curtindo.
Eu não gosto dele
Como assim, migo?
Já conheci um cara com esse nome e ele não era legal.

Eu gargalho lendo a mensagem. O Carlos está com ciúmes, penso e sorrio internamente. Há duas semanas, quando me imaginava com alguém, não tinha Pedro, ruivo ou você. Era só o Carlos, meu amigo que tinha se reaproximado após o fim do namoro. Mas, agora, eu via que nós seríamos sempre esses amigos que se amam tanto que às vezes se confundem.

Vou sair com ele hoje
E o ruivo? Cê não tinha marcado com ele?
Ah, migo, marquei. Mas ele me chamou para sair agora
Rex, cê tá trocando uma foda garantida por esse cara que só te chamou para sair AGORA?

Fico aflita pensando nas mensagens que o ruivo passou o dia enviando, quase fazendo contagem regressiva para o nosso encontro. Comprei café e vou dar uma arrumada no quarto para você. Mas eram as suas mensagens que eu tinha passado o dia inteiro esperando e, para falar a verdade, que eu nem sabia porque tinham demorado tanto a chegar. Mas eu não queria me fazer de difícil, eu queria te encontrar de novo, eu queria ter o teu olhar. Aquele olhar que sorria quando se aproximava para me beijar.

Passo a noite dançando com você. Mais uma. Você quer ficar mais. Eu quero te dar. Nós bebemos, eu rio do teu jeito de dançar. Do teu jeito de achar que me seduz. Às vezes sinto que não tenho uma crise de riso por muito pouco. Também não sei dançar. Mas você me puxa pra rebolar colada em você. E eu sinto que vou inundar dentro de mim. Que todo mundo pode ver, que eu perco qualquer inibição, que estou prestes a me inundar.

Obrigo você a entrar em um táxi. Você diz que quer ficar. Se a gente ficar, isso não vai prestar, pondero e insisto para ir embora. Você está muito bêbado quando o Carlos me manda mensagem. Peço pra você cantar pra ele e envio o áudio. Te abraço e te beijo por você nem pensar duas vezes antes de entrar na brincadeira e por não se importar de que eu fale de você para o meu melhor amigo. Carlos manda um áudio em resposta. Escuto sozinha ele te xingar.

Você chega em casa resmungando que queria ter ficado. Tira a roupa e se joga na cama. Eu subo em cima de você. Tudo vai bem.

– Preciso falar uma coisa... – você começa – eu tô curtindo isso, mas acho que a gente pode ir mais devagar.
Encaro o teto incrédula.
– Fala...
– Não sei o que te falar – mentalmente, rasgo os esboços da narrativa que tinha começado a escrever.
– Não fica zangada, só tô abrindo o jogo...
– Não, eu sei. É bom que você tenha falado isso, é só que... – continuo fitando o teto – o que eu mais gostava é isso de você parecer desencanado, de não parecer que tem medo de ser mal interpretado, de não ter medo de entrelinha, sabe?

Você não diz nada. Me abraça e dorme. Continuo acordada por mais uma hora. Tenho raiva do teu ronco. Tenho vergonha de ter feito piadas com casamento e de ter lido o nosso mapa astral em voz alta no nosso primeiro encontro.


(Aliás, não dá para confiar em um site que diz que a nossa sintonia deixaria todos ao nosso redor impressionados. Simplesmente não dá). 


Jenny Yu

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