segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Não vou com a cara dele

Carlos me manda mensagens para dizer que vai mal. Não está fácil lidar com o fim do último relacionamento. Pela primeira vez, fico sem saber o que responder. Penso em você, em como eu gostei do nosso primeiro encontro e na minha expectativa, que cada vez se mostra mais concreta, de continuar te encontrando. Me sinto transbordar. Seguro a minha felicidade boba entre as mãos como se segurasse uma das minhas hamsters por alguns instantes antes de responder às mensagens.

Algo nas minhas respostas deve ter me entregado. Carlos se lembra de que eu tive um encontro. E o ruivo? Ele erra a pergunta propositalmente.

Não saí com o ruivo.
Mas e aí? Como foi?
Foi incrível – não preciso ser pouco exagerada com ele.
Hum...

Fazia muito tempo que não conseguia dormir tão bem com alguém como foi com ele. Eu não sentia isso desde o meu ex...
Nossa, Rex... Você GAMOU?
Hahaha. Não sei, mas tô curtindo.
Eu não gosto dele
Como assim, migo?
Já conheci um cara com esse nome e ele não era legal.

Eu gargalho lendo a mensagem. O Carlos está com ciúmes, penso e sorrio internamente. Há duas semanas, quando me imaginava com alguém, não tinha Pedro, ruivo ou você. Era só o Carlos, meu amigo que tinha se reaproximado após o fim do namoro. Mas, agora, eu via que nós seríamos sempre esses amigos que se amam tanto que às vezes se confundem.

Vou sair com ele hoje
E o ruivo? Cê não tinha marcado com ele?
Ah, migo, marquei. Mas ele me chamou para sair agora
Rex, cê tá trocando uma foda garantida por esse cara que só te chamou para sair AGORA?

Fico aflita pensando nas mensagens que o ruivo passou o dia enviando, quase fazendo contagem regressiva para o nosso encontro. Comprei café e vou dar uma arrumada no quarto para você. Mas eram as suas mensagens que eu tinha passado o dia inteiro esperando e, para falar a verdade, que eu nem sabia porque tinham demorado tanto a chegar. Mas eu não queria me fazer de difícil, eu queria te encontrar de novo, eu queria ter o teu olhar. Aquele olhar que sorria quando se aproximava para me beijar.

Passo a noite dançando com você. Mais uma. Você quer ficar mais. Eu quero te dar. Nós bebemos, eu rio do teu jeito de dançar. Do teu jeito de achar que me seduz. Às vezes sinto que não tenho uma crise de riso por muito pouco. Também não sei dançar. Mas você me puxa pra rebolar colada em você. E eu sinto que vou inundar dentro de mim. Que todo mundo pode ver, que eu perco qualquer inibição, que estou prestes a me inundar.

Obrigo você a entrar em um táxi. Você diz que quer ficar. Se a gente ficar, isso não vai prestar, pondero e insisto para ir embora. Você está muito bêbado quando o Carlos me manda mensagem. Peço pra você cantar pra ele e envio o áudio. Te abraço e te beijo por você nem pensar duas vezes antes de entrar na brincadeira e por não se importar de que eu fale de você para o meu melhor amigo. Carlos manda um áudio em resposta. Escuto sozinha ele te xingar.

Você chega em casa resmungando que queria ter ficado. Tira a roupa e se joga na cama. Eu subo em cima de você. Tudo vai bem.

– Preciso falar uma coisa... – você começa – eu tô curtindo isso, mas acho que a gente pode ir mais devagar.
Encaro o teto incrédula.
– Fala...
– Não sei o que te falar – mentalmente, rasgo os esboços da narrativa que tinha começado a escrever.
– Não fica zangada, só tô abrindo o jogo...
– Não, eu sei. É bom que você tenha falado isso, é só que... – continuo fitando o teto – o que eu mais gostava é isso de você parecer desencanado, de não parecer que tem medo de ser mal interpretado, de não ter medo de entrelinha, sabe?

Você não diz nada. Me abraça e dorme. Continuo acordada por mais uma hora. Tenho raiva do teu ronco. Tenho vergonha de ter feito piadas com casamento e de ter lido o nosso mapa astral em voz alta no nosso primeiro encontro.


(Aliás, não dá para confiar em um site que diz que a nossa sintonia deixaria todos ao nosso redor impressionados. Simplesmente não dá). 


Jenny Yu

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Levantar

– Dormiu bem?
– Unhum – João responde com a maior cara de preguiça.
Continuamos deitados fitando o teto.

São 8h da manhã segundo o meu celular. Você disse que ia viajar. Precisava estar na rodoviária até às 12h. Imagino que seu despertador vai tocar a qualquer momento, mas você ainda dorme pesadamente. Posso dizer pelo peso do teu braço que está apoiado em cima de mim. Checo todas as notificações das minhas redes sociais e apago os e-mails publicitários (um dia eu cancelo essas inscrições). 8:30. Ainda ouço seu ronco. Lembro da louça na pia e decido levantar e arrumar tudo para o café da manhã. Lavo a louça, passo o café e verifico que o meu colega de apê já providenciou pão fresquinho e salame. Volto pra cama. Você ainda dorme. Deito ao teu lado e, automaticamente, beijo teu braço. Putz, por que eu fiz isso? Em minha cabeça, recupero imagens antigas em que me vejo beijando o braço do ex. Você se ajeita na cama ainda dormindo para voltar a me abraçar.
– Acorda
– Hmmm
– Vamo tomar café
– Tá cedo
Você desfaz o abraço e me dá as costas na minúscula cama de solteiro que dividimos.
– Acorda, fofinho – digo dando mais um beijo no teu braço (Sério, o que tá acontecendo comigo?)
– Vamu ficar aqui
Eu rio.
– Levanta, vai
Você vira pra mim e me olha contrariado
– Vem cá então
– Não quero
– Não fode, Jurema – você me provoca.
– Pode esquecer o amor de manhã – eu brinco citando a mesma música de uma banda que nós dois gostávamos.
Você já me apertava contra você e se preparava para ficar por cima de mim. Não resisto. Desapareço na cama sob você.

– Quer levantar?
– Ainda não – João responde se aproximando de mim. Dormimos nus e sem tomar banho. Eu não imaginava que estava tão bêbada assim. Não dormimos abraçados. Durante toda a noite, não senti a presença dele. Devo ter me esparramado.
Ele tira a coberta de cima de mim com cuidado e me puxa ainda mais para si. Fico feliz por ele não fazer menção de que quer me comer de frente. Continuamos de ladinho, nos movimentando com preguiça, sem beijos. Ele roça o meu pescoço com a barba e me dá beijos eventualmente, eu apenas acaricio seus cabelos com os braços jogados para trás.

Você estremece em cima de mim. Não consegue conter um gemido ofegante. Te aperto dentro de mim e sorrio do teu desamparo. Espero você sair de cima de mim e começo a me vestir.
– Quer tomar banho?
– Num dá tempo
– Tem certeza?
– Eu tô fedendo? – você me olha alarmado
Penso se devo mencionar a roupa encharcada de suor da noite anterior, a saliva, o lubrificante de camisinha e todo aquele cheiro de sexo e buceta, mas opto por dar de ombros.
– Então vamo tomar café.
– Não gosto muito de café...
Pensando bem, você conseguia ser bem chato.

Continuamos deitamos depois da transa matinal.
– São que horas?
– Dez e pouca – respondo – A gente tem que levantar... – complemento sem nenhuma convicção
– É...
Ninguém se mexe.
Ele gozou sozinho. Penso. Já que nós vamos continuar por aqui, não custa tentar.
– Vem cá – pego a mão dele e coloco na minha buceta.
Ele me masturba até perceber que estou perto de gozar.
– Posso ficar dentro de ti? – No estado em que me encontro, me impaciento um pouco com a pergunta ao mesmo tempo em que acho fofo. Claro! Vem!
A transa morna das duas primeiras vezes muda de figura. Acertamos o encaixe, o ritmo e a coreografia. João goza primeiro e o meu gozo é o último passo da dança. Meu salto nos braços estendidos dele.

– Tenho que ir
– Eu sei, fofinho
Você me abraça e me dá um beijo de despedida antes de sair pela porta. São mais de 10h. Penso com animação que posso continuar meu café da manhã na frente da TV assistindo True Detective.
– Cê tá com uma carinha feliz – meu colega de apê dá as caras
– A noite foi boooooa - prolongo o "o" até me jogar no sofá.
– Vocês vão se ver de novo?
– Não sei – dou de ombros.
Não conversamos sobre nada disso. No entanto, constato que isso não me assusta. Pelo contrário, me sinto livre e segura. Vamos. Vamos sim.

João pede para fumar na janela enquanto eu preparo o café.
– Cê toma?
– Tomo, tomo – ele responde com o jeitão simples e animado dele, repetindo as palavras para me imitar.
Improvisamos um café da manhã com tudo o que tem na geladeira. Digo para ele se virar para fechar o próprio sanduíche e ele assume a tarefa rindo de mim. Meu sanduíche é um desastre.
– Tem café? – Meu colega de apê surge na cozinha.
– Tem, acabei de fazer uma garrafa.
Ele sacode a garrafa. Está vazia.
– Acho que tomei tudo – João avisa constrangido.
– Se quiserem, eu faço mais.
João não parece planejar ir embora. Sento no sofá.
– Quer ver alguma coisa?
– Pode escolher...


Jenny Yu

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Tudo isso

– Ele é realmente tudo isso? – Marcela me pergunta e fico lendo através das palavras dela.

Tento desvendar algo na face impassível da analista. A cada frase que conto dessa história, me sinto menor. O que eu tô fazendo aqui? Ela deve estar me odiando. As frases vão se formando em sequência. Parecem sinceras e profundas enquanto estão sendo formuladas, mas, ao ouvir o seu som, me envergonho. Eu não sei explicar essa merda toda, fofinho. Seria melhor se você viesse aqui explicar.

Penso na pergunta de Marcela, na indagação silenciosa da analista e na impaciência do Carlos.

– Ele é só um babaca, Rex! – ele diz como se quisesse me sacudir.

Mas, ali também, está a mesma pergunta. A questão verdadeira. O que eles imaginam, mas sabem que não têm como saber. Essa foda foi tão boa assim? Eu abano a cabeça exasperada. Não é disso que se trata! É claro que é disso. Mas não é.

Espero num canto da pista. Você está atrasado. Mexo no celular para fingir que não estou desconfortável. Acho que, no fim, foi uma ideia ridícula marcar um encontro em uma balada. Você chega suado. Não lembrava mais desse sorriso. Sorrio, mas tento não deixar transparecer que estou nervosa. Tenho medo que tudo dê errado. E dar errado aqui é sinônimo de ter uma noite constrangedora.

– Sabe uma coisa que odeio em primeiros encontros? – faço uma pergunta retórica.
– Hum...
– Esperar a hora do beijo. Porque, quanto mais demora, pior fica o clima. Então, vamos beijar agora e acabar com isso?
Você me olha um pouco perplexo.

O beijo é bom. Não penso nisso na hora. (O Carlos sempre ri da minha cara quando eu reclamo do beijo de alguém. Beijo, Rex? A gente não tá mais nessa fase de beijo.) Pego só os flashes da noite. Você perto. Muito perto. Segura minha cintura, me puxa, me aperta. Vai começar a banda. Você dança atrás de mim. Me puxa, me abraça por trás. Sinto seu pau na minha bunda.

Desculpa, analista. Eu sei que parece não ser importante. Mas importa. Eu tenho essa coisa de gostar de homem que fica duro assim, com beijo, com música, com dança, com bunda. A gente ri das letras das músicas. Você diz que quer beber. Eu não posso. Volta com boca de maracujá. Eu rio, te beijo. Combinou com a música, olha só.

Te levo pra casa. Meu endereço certo. Não é mais a Augusta com a Peixoto Gomide, mas também é cheia de bar. Não posso transar hoje. Tomei um remédio, não quero arriscar.

– Tudo bem

Será que ele entendeu? Porque ele quer dividir essa cama de solteiro comigo se a gente não vai transar? Não consigo parar de beijar você. Deita na cama. Aponto na direção. Você e aquela cara de surpreso, de não saber o que fazer. Obedece. Abro teu cinto, desabotoo a bermuda e começo a te libertar de tudo. Isso tem que ser dito assim, desculpa, analista. Mas tem que ser contado assim, porque eu relembro em câmera lenta. Ali, naquele momento, ainda existem todos os constrangimentos do mundo. Eu, de joelho em cima das tuas pernas, finjo que não. Que a cueca é mero detalhe. Não sei como a cena pula da cueca para o teu gosto na minha boca. E depois pula para a parte em que você geme e tem os primeiros tremores e me pede pra parar.

– Num quer que eu enfie em você?

Eu acho que me apaixonei por você aí. Não quero. O que isso tem a ver? Não pode ser os dois? Não posso. Não consigo decidir o que responder, olho para a minha mão abraçando o teu pau e decido apenas voltar a te chupar. Você treme mais.

– Tá bom?
– Não para.

– Para.
– Quê?
– Vô gozar
Rio e te ignoro.
– É sério
– Vem
– Mas... sua boca...

Leio um texto sobre mulheres que se achavam sexualmente livres, mas se descobriram prisioneiras. Uma amiga comenta a leitura comigo no WhatsApp. Ela acha muito machismo mulheres que se gabam de dar prazer aos homens. Aquelas que têm orgulho de dizer que chupam bem. Me jogo na cama e fito o telhado. Está na hora de guardar o teu gemido na gaveta. É machismo! Digo para mim mesma.

– É bem machista – eu mesma adianto para a analista. – Sabe, eu sempre me lembro dos caras que me deram muito amor. E eles diziam: "olha só isso que eu estou fazendo, isso é muito amor". E, por dentro, eu sentia essa tristeza de saber que, se amar muito era aquilo, eu nunca conseguiria fazer bem.

Seguro as palavras na garganta.


Eu gosto dos homens que não sabem amar, porque o pouco que eu tenho para dar até parece muito. Às vezes sobra. 


From: Jenny Yu

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Implicante

Naquele dia, levantei quase 14h. E, enquanto decidia se encarava preparar um almoço ou se me vestia para ir à padaria, peguei o celular. Mensagem nova no Facebook. Era você dizendo que tinha ido com a minha cara. Uma piadinha na sequência. Não lembro se ri ou revirei os olhos. Acho que ambos.

Tenho que confessar que falar de você não é tão difícil se eu pudesse falar genericamente. Se não precisasse voltar àquele dia da primeira mensagem e da semana seguinte. Tenho medo de recordar demais. De, no fim das contas, ter algumas certezas. Afinal, está tudo salvo nos bancos de dados das minhas redes e nos backups que fiz para fingir que apagava para sempre quando só tirava do alcance do olhar.

O medo de recordar é o de descobrir que não foi nada demais. Não foi? Talvez sempre comece assim. Um dos dois manda uma mensagem inesperada ou engraçada. Preciso te contar a minha teoria sobre a Rihanna. E o outro dá de ombros antes de decidir embarcar. Nossa, você acordou antes das 9h?
- Às vezes eu acho que sou muito legal com os caras que vêm falar comigo - falei para a Fernanda pensando na forma que tinha encontrado para adiar um encontro sem te deixar triste. (Chequei o meu horóscopo mensal e, aparentemente, o próximo fim de semana é o mais propício para um encontro)
- Amiga, desculpa, mas às vezes a gente só tá sendo babaca mesmo - ela respondeu entre um gole de café e outro.
- Cê acha?

Vou checando o celular a cada cinco minutos a caminho da padaria. Respondo suas mensagens me divertindo. O Pedro ainda me chama de gostosa na minha cabeça e eu começo a te imaginar do outro lado escrevendo as mensagens que meu Facebook notifica. Crio imagens suas se esforçando para manter a conversa e alcançar o equilíbrio certo entre o interesse e a brincadeira. E, talvez eu nem precise admitir isso para você, sinto que domino a situação. Possivelmente por isso, não tenho medo de falar. Vou escrevendo o que vem à minha cabeça. A pior coisa que pode acontecer é ele cair fora. Penso e constato que não me importo com isso. Ainda. 

Você escreve e eu respondo fazendo pouco caso. Escolho meu almoço. Vou querer essa salada. Quando o garçom se aproxima, aponto para o nome no cardápio. Minha salada tem nome: Implicante. Rio e te conto em mensagem. Você também ri. Diz que achou apropriado. Te passo o número do celular para não ter que abrir o navegador toda vez que quero checar se você já respondeu. Você manda uma nova mensagem, agora pelo WhatsApp. É mais direto. Tá disponível hoje?

Dessa parte eu lembro. Fiquei incomodada com a mensagem. Você exibia em alguma entrelinha que achava que o jogo estava ganho. Ou isso ou só arriscou. Nem pensei em levar teu convite em consideração: ressaca, Pedro, menstruação, preguiça. É, eu tinha meus motivos. Mas não quis recusar de cara.

Só se for pra correr no Minhocão
Corro até 10k
uhhh
10k eu não aguento
Meu máximo foi 6k


Entro em casa com cuidado para não acordar ninguém com o barulho do salto. Tem uma caixa em cima da cadeira do meu quarto. Acho estranho, mas acabo deduzindo que o porteiro só deve ter lembrado de entregar depois que eu saí naquela noite. Na caixa de papelão, identifico uma marca esportiva. Finalmente havia chegado a minha encomenda. Um protetor para guardar meu celular e minha chave durante a corrida. Desbloqueio a tela do celular. São mais de 4h da manhã. Olho pra encomenda, penso em te mandar uma mensagem contando. Alguma coisa me diz que é melhor não. É o primeiro fim de semana que não te vejo desde aquela primeira mensagem. Sinto saudades.
Ilustração: Jenny Yu
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