segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Hipótese 1

Não sei bem como esse lance da terapia funciona, Analista, mas acho que queria trabalhar em cima de algumas hipóteses. Eu nunca sei o que você está realmente pensando, mas acho que podemos começar pela hipótese número um. A hipótese segura. Com certeza ela já passou pela sua cabeça, acho.

– Ele só queria te comer, Rex – uma vez o Carlos me disse depois que reclamei que você não curtia mais as minhas fotos do Instagram. Foi Carlos quem disse, mas poderia ter sido Fernanda, Paula ou todas as amigas que já foram obrigadas a me ouvir falar de você.

– Me manda nudes – você pediu após eu ter enviado uma mensagem com o coração na mão, temerosa de mais uma rejeição, dizendo que queria te encontrar. Mando uma foto improvisada do sutiã.
–  Quero mais. Quer ver como você me deixa?
Eu queria. Queria ver ao vivo.
– Você sabe que eu sempre gosto de uma putaria com você, né?
Me sinto pequena e desabando. Não sei, Fofinho, não sei nada. Não sei o que isso quer dizer.

Se eu quisesse selecionar os trechos que comprovam essa hipótese, seria fácil. Talvez "ele só queria te comer" seja uma narrativa bem manjada. Com certeza, é muito mais fácil organizar tudo assim. Enquadrar, encaixar e compreender a ter que sentar e falar de você.

O que eles não percebem é como essa explicação me diminui e me apaga. No fundo, você é só uma garotinha querendo ser amada. Alguém me disse um dia. Foi dito como uma quase ofensa. Mas se eu volto para essa frase não vejo nada de errado, no duro. Porque sinto que isso não me diminui automaticamente, o que me diminui é eles acharem que você só queria me comer.

Um mês depois do nosso terceiro encontro, recebo um email avisando que você me mandou uma mensagem privada no Twitter. "Sdds". Não sei se era vício ou preguiça, mas até para dizer que sentia minha falta você fazia pouco caso (Analista, você acha que era o caso dele também ter medo de ser rejeitado?). Fui sincera:
– Também, Fofinho – a essa altura Fofinho era a palavra-chave para que eu pudesse me referir a você com carinho e ironia.
– Vamos sair pra tomar umas?
Olhei perplexa para as letras no computador. Topei.
–  Quinta é bom pra você?
– Nenhum dia é bom pra mim, Fofinho. Mas eu faço esse esforço por você –  Será que eu vou conseguir alguma pista de por quê ele sumiu?
–  Certo. Então, a gente deixa pra quinta. Mas não é certeza. Eu te confirmo.
–  Tá... Mas faz um esforço pra não furar porque agora eu quero essa transa.
–  Nossa, que abusada! Só te chamei para sair e tomar umas e você já tá pensando em transar?
–  Ué, achei que era isso. Dsclp – abreviei o pedido de desculpas para não demonstrar que estava mesmo envergonhada – A gente pode só tomar umas sim...
–  Não, uma transa até que cairia bem nesse friozin.

O que eu odeio nessa hipótese é que a minha vontade é apagada. A minha vontade e a minha capacidade de análise. Como se estar emocionalmente envolvida me impedisse de ver quando alguém me procurava para transar. E, pior, como se eu nunca tivesse aceitado, usufruído e mesmo desejado a certeza da relação "só queria te comer". Odeio o "ele", odeio ser o objeto da ação nessa hipótese, mas amo a certeza. A segurança das relações que se entendem completamente é a maior dádiva que eu poderia desejar, nunca perceberam?

E, ainda, se o seu interesse fosse puramente sexual, acredito que teríamos aproveitado mais. Eu não teria dormido tantas vezes com um "vamos marcar" na cabeça e uma linha fininha de esperança no peito. Pior, se eu ainda acreditasse no "ele só queria te comer", eu não teria passado tantas noites pensando em você. E não teria me pegado, um dia, perguntando em voz alta para o formato imaterial do teu corpo na minha cama: por quê?

Nesse "por quê?" cabia uma infinidade de outros. Por que você dançou comigo. Por que foi me encontrar na janela do teu quarto e chamou minha atenção. Por que você me fez deixar de encarar a fumaça lá fora para te ver cantando uma música romântica e se aproximou para me abraçar. Por que você quis me mostrar o teu mundo e fez aquele olhar de apreensão enquanto esperava a minha reação. Por que você tentou me animar pela manhã e aceitou colocar a música que eu ouvia sozinha todos os dias ao acordar. Por que você fez coreografias comigo e me fez achar que finalmente eu estava diante de alguém que não iria me julgar, para quem e com quem eu não precisaria me esforçar para ser aceita, admirada e amada mesmo quando contrariada e ranzinza. (Mesmo quando dizia que você não devia beber tanto durante a semana e virava a cara para as suas escolhas culinárias).

Eu sei, analista. As perguntas são retóricas. Já as fiz até ter a resposta. Eu, por exemplo, eu amo a certeza. A única coisa que amo mais é acreditar que amo. E aquela coisa do terreno incerto, do controle levemente fora de alcance. 

Acho que você foi assim. Você quis viver tudo que eu podia te dar. Não sei se, para você, foi o bastante (torço para que sim), mas, para mim, foi o suficiente para me fazer esquecer do caminho de volta.

Eu entendo. Eu acho que entendo mesmo você. Noutro dia, acordei assustada com o barulho dos carros e observei o João dormindo ao lado. Tínhamos pegado no sono depois de transar e ele ainda segurava a camisinha na mão, adormecido. Levantei para jogá-la fora, fechar a janela e a cortina e procurar o lençol para nos embrulhar. Naquele momento, senti que amava o João o máximo que eu podia amar.


Jenny Yu

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