"Sabe, querido, hesitei em escrever essa carta, mas se o faço é por você. Sei que pode não ter acabado bem e que grande parcela dessa culpa seja minha, mas não posso deixar de ignorar os seus últimos comentários. Ouvir dizer a boca miúda, que você já ama. Apesar dos meus erros e das minhas escolhas, confesso que isso dói em mim. Até pouco, ainda me ressentia bastante pensando que amava você. Evitei muitos caras, um pouco por medo de ser ruim devido aos meus sentimentos por você, um pouco por medo de gostar e descobrir que podia estar enganada quanto a esse amor há um bom tempo. Mas um rapaz, confesso, me tentou e eu sucumbi. Tentei protelar o momento do beijo, mas, num momento em que estava distraída com a conversa, ele simplesmente me beijou. E não foi estranho, não foi insosso, não foi sem graça! Foi doce, foi gostoso, porra, dá vontade de beijar o cara só de lembrar. Imaginei que talvez ele pudesse ser seu substituto, mas não quis contratar sem ter feito a seleção com o restante. Dei sorte! Cinco dentre cinco beijavam absolutamente bem. Uns com um beijo que mais parecia um toque de seda sobre a pele, outros com uma língua exploradora e umas puxadinhas leves no cabelo, todos bons. Conclui que não te amava mais e que poderia ser feliz. Até ouvir falar desta que hoje você diz amar. O beijo dela deve ser bom. Deve beijá-la sem culpa, sem obrigações com um susposto sentimento por mim e com aquela vontade de levar aquilo para algo mais. Talvez você ainda não tenha entendido o porquê desta carta. Mas é simples, querido. Beijos não falam, eles enganam. Não pense que não me ama. Você não sabe, da mesma forma que nunca saberei".
quarta-feira, 16 de março de 2011
segunda-feira, 14 de março de 2011
Sem dívidas
Faz tempo que tento mudar: colocar minhas coisas em dia, principalmente minhas contas. Uma delas, em particular, se tornou uma bola de neve. No começo recebi sua doação meio sem querer, mas depois já fui me acostumando. Em um dado momento, não conseguiria passar o mês ou sequer uma semana sem a sua ajuda. Anos a fio levando a vida fácil fazem a gente acreditar que nem tudo na vida a gente tem que pagar. Mas a gente paga. E o preço de disso foi alto.
Tentei pegar emprestado de outros, mas sabia que era uma dívida minha com você. Então, tive que parcelar. Mas uma parcela mensal talvez comprometesse as contas dos meus descendentes (se houvessem). Agora, te pago em dias...
A cada dia, pago minha dívida. Vinte e cinco centavos de pensamentos. Uma pequena recordação ao passar por um caminho, ao ouvir uma música, ao ler uma matéria. Uma pequena tortura para me lembrar que juros não é só uma invenção de banqueiros.
Vinte e cinco centavos de pensamentos diários pelo amor que eu tive.
domingo, 13 de fevereiro de 2011
Crescer
Quando ele nasceu, o ninho até esquentou um pouco mais. Não só pela época do ano e pelo avançar da manhã, mas pelos pios animados de sua mãe, que exalava um hálito quente cheio de contentação. Quando o olhou no meio dos outros passarinhos que haviam rachado seus ovos primeiros apenas parou feliz antecipando o futuro do seu mais novo passarinho. Decerto, ela sentiu que havia algo de diferente neste passarinho bonito e esbelto, mesmo que por fora se parecesse bastante com os demais.
Na primeira lição de vôo, depois de um resgate desesperado, todos descobriram que ele, desafortunado, era um passarinho de vidro. Após esse dia, seu lar e prisão foi o alto do penhasco onde havia olhado pela primeira vez o azul e a luz. Quando a mãe saía para caçar sua comida, sozinho, contemplava o penhasco questionando para algum Deus que acaso estivesse ali acorrentado qual era o propósito da vida de um passarinho de vidro em cima de um grande penhasco. Não havia missão, não havia tarefa, não haveria habilidades... não haveria sentido para a vida. Esperou uma resposta, mas a cada vez que ela tardava, o vento assobiava um convite do penhasco para pôr fim à tão irônica existência.
Resistiu sem saber por quê. Do penhasco apenas imaginava a velhice: tão solitária e vazia quanto toda a sua vida. Até que um dia, um tremor de terra perpassou seu abrigo. Um tremor inesperado que abalou a única certeza do passarinho de vidro, a da segurança daquela rocha. O evento não foi o suficiente para estremecer toda a montanha, mas uma única pedra, de tamanho pequeno, dessas que serviriam para atirar em um rio e fazer quicar até o horizonte, se soltou da rocha e rolou em direção ao ingênuo passarinho.
Ele sentiu que era o seu fim e já estava semi inconsciente quando o barulho de vidro quebrado ressoou pelo penhasco. Um impacto.
Depois de algumas horas de extrema dor, ele se acalmou. “Como ainda poderia estar sentido dor?” olhava os cacos a sua volta e se perguntava. “Como sequer posso estar olhando os pedaços de mim?”. Nada fazia sentido. Tentou se olhar, mas não conseguia. Quando o sol começou a se pôr, os caquinhos no chão começaram a refletir o que ainda restara dele. Um grande pedaço de vidro, sem uma das asas, sem pernas, com o coração trincado, mas vivo.
“Estou vivo”, piou e sentiu o corpo se fortalecer um pouco. Talvez fosse felicidade. Felicidade de viver. Durante dias juntou seus caquinhos. Não era fácil, estavam espalhados e os pedaços nem sempre pareciam querer voltar para o mesmo lugar. Ficou pronto, meio remendado, mas feliz. E tinha uma resolução: sair dali. A rocha que antes representava a sua longa vida vazia, hoje representava o perigo para a vida que só queria ser vivida.
Encarou o penhasco, receoso. Não olhou para baixo, olhou para o céu, que agora lhe fazia seu convite. Jogou-se. Sentiu a brisa batendo no rosto e no peito antes de começar a cair. Caiu, caiu e continuava afundando. Mas não se desesperava. Balançava as asas e procurava sumir alguns metros. Olhava para a asinha de vidro remendada rezando para que o ajudasse a viver. Foi quando viu uma pequena folhinha engatada entre as rachaduras da asa. E não era só uma. Cada vez mais apareciam folhinhas brancas e... “Será que... será que são penas?”. Começou a bater as asas com mais firmeza, da forma como viu sua mãe recomendar. Bateu, bateu, mas já estava desistindo quando percebeu que podia ver agora o local onde passara toda sua vida.
Do alto.
Mirou a pedra e deu a meia-volta rumo ao horizonte.
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
Eu deveria...
Eu deveria ter cantado em lírico, afinado mais a voz, ter escolhido melhor o tom...
Deveria ter mandado fazer faixa e balão, com tinta especial, fluorescente ou laminada, fosca ou envernizada. Poderia ter passado algumas noites em claro, tentando descobrir o melhor presente do mundo. Poderia ter dado mais do meu já escasso tempo e do meu mais que acabado dinheiro para fazer o teu sorriso engolir as bochechas e alcançar as orelhas.
Poderia ter encomendado um tapete vermelho para o começo do seu dia, poderia ter pedido para a rádio tocar todas as músicas que você mais gosta. Deveria ter tentado realizar um sonho seu.
É estranho quando o aniversário das pessoas que a gente ama passa. Quando a gente se despede depois de um almoço e fica com um desejo que tudo tivesse sido mais que especial para aquela pessoa. Talvez eu devesse ter feito mais...
Deveria ter simplesmente gritado. Deveria ter te puxado para alguma dança sem jeito que durasse uns 10 segundos de puro constrangimento. Poderia ter te ligado 23 vezes, mesmo estando ao seu lado no trabalho. Poderia ter chamado carro de som! Deveria ter planejado cada uma das horas do seu dia para que não o visse passar assim...
Deveria ter estendido meus braços mais vezes do que você. Deveria ter contratado um trio elétrico tocando frevo para o seu parabéns.
domingo, 12 de dezembro de 2010
Com licença, estou sem tempo para essa conversa de amor
Outro dia me peguei lendo uma poesia de amor de um dos meus poetas preferidos. Pareceu estranho, pareceu distante, mas Drummond, indiferente, parecia genuinamente inspirado. Afinal, por que todos os bons poetas falavam de amor? Por que os romances, incluindo os românticos, são importantes para nossa vida e condição humana?
Cresci com o catolicismo, sei dos mandamentos de Jesus. Já li sobre o budismo e a mensagem de amor de Buda. Qualquer pessoa na rua teria uma resposta pronta sobre como o amor é importante para todos nós e como a vida sem amor é vazia... Mas, me pergunto, de que amor é este que tanto se fala atualmente? É o amor próprio?
Atualmente, venho trilhando o meu caminho profissional com mais afinco e posso dizer que estou em uma situação decisiva. O mundo me diz: isso é importante. Mas meu coração não tem ouvidos. Pareço uma balança desequilibrada pendendo para um lado só e sentindo que falta muito mais.
Parece cafona, parece dramático. Mas o amor também saiu de moda. Cadê a paixão? A racionalidade parece ter se apoderado de todos os nossos relacionamentos e sentir dor de cotovelo é motivo de vergonha. “Ainda nisso?”. O amor no meu tempo, caso algum pesquisador futuro queira saber, é como uma TV LED LCD 3D. Todo mundo diz que é bom e pode até ter um desejo oculto de ter, mas é mais uma daquelas coisas para se ter quando o mais importante já estiver conquistado.
Depois de pensar, na verdade, não é difícil imaginar porque não existem mais aqueles bons poetas...
[Mas não vamos começar as polêmicas sobre o fim do amor. O leitor bem informado sabe que ele sobrevive em brechós cheirando a naftalina, cujos endereços não aparecem no google maps].
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