Era muito difícil entender você. Entender tudo ou qualquer
coisa, na verdade. Mas essa era uma aflição que só aparecia quando eu tentava
desenhar essa história. De todos os caras que eu quis que passassem pela minha
vida, você foi o único que não virou texto. Não virou declaração ou reflexão.
Não virou carta ou conto erótico. Não virou crônica de nenhuma das minhas
experiências. Talvez fosse a vergonha de um dia expor toda a loucura que
era você. Ou a vergonha de concluir que, no final, eu fui a assassina do futuro
que nunca existiu. A questão é que você sempre ocupava esse ponto de
incompreensão. Até hoje.
Hoje. Eu encontrei com esse rapaz com quem eu já tinha
ficado. Não encontrei por acaso, nós tínhamos marcado esse encontro. Para mim,
era um encontro com um bom amigo. Para ele, não. Conversamos sobre nada
enquanto caminhávamos. Até que o assunto se tornou os nossos relacionamentos
afetivos. E ele disse. Que queria muito ter me encontrado de novo depois do dia
em que nós nos beijamos. Que esperou muito que nós tivéssemos ficado novamente.
Eu não soube o que falar. Vasculhei a memória sobre aquele
dia. Obviamente me lembrava do momento. Mas ele lembrava que o clima estava
muito bom. E que eu estava usando o vestido que ele gostava. Que eu estava
linda. E que o momento foi perfeito. A lua não parava de brilhar. E o nosso
beijo? Difícil encontrar alguém com encaixe tão perfeito. Depois do beijo, eu
tinha sorrido e abraçado ele. Nós tínhamos conversado mais um pouco. E ele
tinha me beijado novamente antes do metrô que eu pegaria chegar. Eu tinha me
despedido com uma promessa: a gente se vê.
Escutei a narração estarrecida. Não tive coragem de negar
nada. Não disse que não me lembrava do céu. Lembrava apenas que tinha marcado
de encontrar com outro rapaz, mas ele havia desmarcado de última hora. E, como
eu estava perto, liguei perguntando se ele não queria dar uma volta. Naquele dia,
eu conversava para me distrair. Mas em algum momento percebi que ele estava me
olhando de outro jeito. Então, o meu amigo me beijou. E eu estava chateada
demais para dizer não. E o beijo foi ok. Quando a gente se separou, sorri sem
graça e o abracei. Ele é meu amigo, que
merda eu fiz? Algo na minha cabeça disse que não valeria a pena ferir os
sentimentos daquela pessoa ali. O metrô já ia chegar...
Sempre imaginei que a situação havia beirado o constrangedor
para mim e para ele. Mas não! Para uma das versões da história, tudo tinha sido
perfeito.
E lembrei-me de você. Talvez seja a hora d’eu parar de me perguntar
por que coisas perfeitas não duram tempo suficiente. Por que as pessoas que
beijam de um jeito que faz a gente levitar não permanecem na nossa vida. Por que
a pessoa que preencheu todo o formulário do que faz nossos olhos brilharem não sente
que o lugar dela é do nosso lado. Por que noites perfeitamente estranhas ou
estranhamente perfeitas não significam mais do que o dia seguinte faz parecer.
Eu estive me segurando em pequenos detalhes
todas as vezes que me lembrava de você. Mas existem os outros pontos que
estavam ali e eu escolhi não ver. Talvez eu já soubesse disso o tempo todo.
Você nunca virou texto porque eu sempre tive medo de admitir. Que você foi todo
errado. E perfeito demais! Mas que eu nunca fui perfeita para você.