Tenho me pegado pensando muito em narrativas. Não é algo de agora, mas talvez seja algo que eu só consiga enunciar com mais clareza recentemente.
Uma vez, uma amiga triste e desanimada veio me relatar sua nova paixão. Até poucos dias, tudo ia bem, ela se divertia conversando e descobrindo interesses com o cara e sentia que finalmente estava diante de um novo amor. Mas ele tinha feito ou deixado de fazer alguma pequena coisa e era esse fato _que narrativamente também poderíamos chamar de a "intriga"_ que ela vinha me contar.
Para ela, tudo estava claro. Aquilo só podia significar descaso, falta de interesse ou dúvida da parte dele. Nenhuma das possibilidades era boa. Todas elas lembravam a minha amiga de outros romances que não tiveram um desfecho feliz. E ela sofria antecipadamente sem ao menos ter tido uma confirmação das suas suspeitas.
Para mim _que apenas escutava a história e conseguia ter algum distanciamento_ se tornava cada vez mais claro que nada daquele relato tinha algo de verdadeiramente ancorado no real. Ela não mentia. Mas os olhos e os sentimentos dela eram a lente com a qual ela enxergava e dava significado àqueles acontecimentos (ou, pior, com que ela elegia aqueles fatos como acontecimentos). Tudo era uma questão de como ela contava a sua história. Tudo era uma questão dos papéis e funções que ela atribuía aos dois personagens.
E se o que ele fez não significasse aquilo? Ou se ele nem tivesse reparado em determinada ação e comentário e no seu efeito sobre ela? E se dali a uma semana eles se aproximassem ainda mais e ele revelasse que também nutria o mesmo afeto que ela? Ainda assim aquele pequeno fato seria importante praquela história? Ele teria justificado toda a insegurança que ela agora tratava de atribuir a sua personagem?
Perceber isso ao olhar para a história da minha amiga, era bem fácil. Mas eu nunca tinha parado para pensar que eu também podia ter alguma autonomia na forma como eu narrava a minha vida. Então, comecei a me flagrar em todos os relatos em que eu assumia o papel de quem sofria, de quem lutava, de quem insistia e de quem fracassava. Em muitos casos, dava pra ser mais leve. Dava para reconsiderar o que seria selecionado como acontecimento decisivo. Dava pra repensar as intrigas e questionar se aqui ou ali havia realmente um clímax.
Quando a resposta _que eu esperava com muita expectativa_ para uma mensagem minha não chegava, por exemplo, ao invés de tentar decifrar as entrelinhas da metade que eu nunca alcanço nos relacionamentos, eu esperava um pouco mais antes de começar a enunciar aquela história:
Amanhã ele responde. Amanhã alguém responde. Amanhã eu conto uma história de mim que valha a pena ser contada.