Marcela e Maurício caminhavam silenciosamente pela calçada.
Chegaram ao bar e escolheram uma mesa. Marcela preferia sentar no local mais
esquecido, mas Maurício queria fumar. Escolheram uma das mesas da calçada. O
vento não estava gelado e a temperatura estava amena, porém Marcela não pareceu
perceber e permaneceu de casaco.
Maurício acendeu um cigarro. As outras mesas do bar ainda
estavam vazias.
– Então, o que tu tava querendo me contar? – ele perguntou
liberando a sua primeira leva de fumaça.
– Bom, é um pouco complicado... Mas vou tentar explicar com
uma analogia.
Ele sorriu, ela respirou fundo.
– Vamos supor que nós vivemos em alto mar. Estamos em uma
região tão profunda em que não é possível tocar o pé na areia, apenas estamos
na água e acreditamos que existe o fundo do mar, a areia.
– Certo.
– A água é a realidade. A areia é o real.
– Não sei se entendi. Por que tu tá diferenciando a
realidade do real?
– Porque é a água que dá forma ao mar, que aqui é o mundo. –
Como Maurício continuava calado, ela tentou melhorar. – Estou supondo que a
realidade está acima do real. Sempre estamos em contato com a realidade, mas
nunca em contato com o real. Apenas acreditamos que a realidade o reflete, seja
por meio de crenças ou de experiências empíricas. Mas não sabemos até que ponto
a água é uma forma honesta da areia. E eu, pessoalmente, acredito que apenas em
alguns momentos, a realidade deixa entrever os pontos em que o real se impõe
com mais força, no caso da morte, por exemplo.
– Então nunca acessamos o real, por isso a analogia com o
alto mar, em que estamos sempre em contato apenas com água...
– Exato! Aqui eu chamei a realidade de água. Mas tem muita
gente que defende que a realidade são os discursos que nos ajudam a compreender
o real.
– Acho que entendi. Onde tu quer chegar?
– Em mim. Eu, Marcela, sou uma mulher, branca, classe média,
entre os vinte anos, que existe.
– Ok. Concordo que tu existe – ele se divertia.
– Isso quer dizer que eu faço parte da realidade e... do
real. Todas as características que eu te dei fazem parte da realidade
discursiva. Já a minha existência faz parte do real.
A cerveja deles chegou e Maurício encheu os copos.
– Hmm... Prossiga.
– Daí eu chego em ti.
Ele levantou a sobrancelha direita.
– Tu também existe e está nesse mar comigo. Tu também ocupa
o real e a realidade. Antes, eu acreditava que os nossos afetos estavam
diluídos na água, que só poderiam ser sentidos quando fossem compreendidos por
um discurso que os classificasse e diferenciasse. Mas, você, Maurício, você
existe na areia e na água. E você me puxou para baixo. Você me fez tocar a
areia. Você quebrou uma dimensão, furou a rede.
– Como eu fiz isso?
– Existindo!
– Ainda não entendi.
– Eu te amo. – Ela disse e bebeu o primeiro gole de cerveja.
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