Fazia pelo menos um ano em que eu
não pisava naquela rua. Ou pelo menos, que não chegava até àquela altura. Percebi
isso quando fui identificando a loja ao longe e uma dor gigantesca me sacudiu.
Tentei não pensar nela, mas antes que pudesse perceber, estava atravessando a
rua. Queria saber se ele ainda estava lá e, dessa vez, queria olhar ele bem de
perto.
Achei que era mais um desses
momentos sádicos que eu reservava para mim mesma. Não sei porque queria me
punir. Mas, por alguma razão, achava que tinha que encarar aquela dor. Ele
estava lá, na vitrine da esquerda. Fiquei feliz ao vê-lo, pois sabia que agora,
sim, eu poderia me punir observando-o.
Uma vendedora fumava um cigarro ao
lado. Percebi pela visão periférica que ela me examinava. Por fim, ela deve ter
decidido que ninguém seria louco o suficiente para passar alguns minutos parado
em frente à uma loja de vestidos de noiva sem estar noiva. Ela apagou o cigarro
com o sapato e deu uma última baforada antes de se alinhar ao meu lado e
comentar:
- Esse é lindo, não é?
Pensei em respostas que não me
delatassem.
- É sim. O mais bonito que eu
encontrei até agora.
Ela perguntou se eu não gostaria
de provar. Expliquei que estava esperando uma amiga que já devia ter chegado e
que não queria incomodar. Seria melhor vir provar com mais calma. Ela insistiu.
- Se você não provar logo ele,
não vai conseguir tirar isso da cabeça!
- Talvez...
- Vamos! É o que sempre dizem: é
o vestido que escolhe a noiva. Você não pode perder essa oportunidade.
Me segurei para não dizer que
aquilo era uma paráfrase de Harry Potter e dei uma olhada no celular. Não havia
sinal da minha amiga. Então, concordei com relutância. Dentro da luxuosa loja,
Milena se apresentou e começou a me oferecer cookies, biscoitinhos amanteigados
e trufas (“é tudo sem glúten, viu?”), mas o medo de ser descoberta me impedia
de aceitar qualquer coisa e me deixava cada vez mais desconfortável. Milena se
deu por vencida e me acompanhou até o provador. Disse para eu ir tirando a
roupa, enquanto ela pegava o vestido.
Quando ela chegou, não contive um
suspiro de expectativa. Ela sorriu e confessou que adorava ajudar as noivas a
encontrar seus vestidos dos sonhos. Dei um sorriso amarelo e lembrei daquele
canal ruim cheio de reality shows inúteis. Enfim, ela devia estar assistindo
muito.
Milena me ajudou a vestir com
paciência. O momento pareceu passar em câmera lenta. A cada toque que eu dava
nas rendas sentia um misto de paixão e desilusão. O vestido conseguia ser mais
lindo do que eu lembrava. Mas a lembrança tinha deformado um pouco dos seus detalhes
e proporções e, agora, eu me perguntava se não já não estava acostumada demais
com a versão imaginária. A renda parecia diferente de perto. A alça um pouco
mais estreita, a cintura, um pouco apertada. Reparava nesses detalhes quando
finalmente consegui enxergar o panorama inteiro: eu, com o meu vestido de
noiva.
O vestido que eu havia amado
desde o primeiro dia em que vi. O vestido que eu sempre usava na nossa história
de amor que, pouco a pouco, dia a dia, eu tinha escrito na minha cabeça.
Eu sei que sempre tive dúvidas em
relação ao casamento. Mas, também por uma razão desconhecida, eu sentia que um
dia usaria aquele vestido com você.
Me olhando no espelho, lembrei
porque estava ali. Queria mais uma vez sentir a dor de não te ter mais comigo.
A dor do meu fracasso. Era assim que eu enxergava o nosso fim. Queria me
lembrar que não havia mais nada, apenas o vestido na vitrine.
Mas enquanto esperava a dor e a
comoção, o vestido apenas me fitava do outro lado do espelho. E como ele era
lindo!
- Esse vestido foi feito pra você!
– disse Milena com olhos deslumbrados.
Sorri pro vestido no espelho. E
fui me despindo com uma surpreendente constatação. Esse vestido não dizia nada
sobre você. A minha vida não diz nada sobre você.
Essa é uma história sobre mim.
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