– Dedo na ferida. Sombras. Demônios. É isso, demônios. – O rosto
dela se iluminou com a conclusão.
– Sobre o que tu tá falando? – Ele perguntou, parecendo
apenas naquele momento perceber que os dois dividiam a mesma cama.
– Sobre sexo. Sempre tive essa impressão. Quer dizer, não
sempre. Mas de algum tempo para cá. Quando comecei a me descobrir melhor,
quando sentia algum rastro de culpa. A culpa sempre é um bom indicativo de que
esbarramos em algum demônio.
– Cara, não se trata disso – ele cortou impaciente.
– Se trata de quê?
– Sexo. Só sexo. As pessoas fazem sexo apenas porque querem
fazer sexo também. Não é preciso teorizar.
– Não me diga... – Ela respondeu com toda a ironia que
conseguia mobilizar.
– Então é disso que se trata? Da gente?
– Não, se trata de ti. Eu queria entender os demônios que tu
esconde dentro ti. Queria que tu os compartilhasse comigo... Seria ótimo. É o
tipo de sexo morte, sexo libertação que eu queria pra gente. – disse amolecendo
a voz e passeando a mão pelo peito dele.
– Por que tudo se trata de sexo? – Disse e interrompeu a
diversão dela.
– É um ponto de contato. Eu estou dando o meu corpo para
pertencer ao mundo. – Ela tentou argumentar se deixando afundar ao lado dele na
cama.
– Cara, desculpa, mas eu nunca topei com nenhum
demônio desse tipo...
– Pra mim isso está mais do que claro. – Ela rebateu em tom
cortante.
– Sério? Então tu sabe como eu consigo descobrir um desses
dentro de mim? Vai que eles estão em falta... – Ele também não sabia brincar.
– Todo mundo tem um, querido. Quer descobrir o seu?
Experimente. Experimente até gostar. Você vai saber quando chegar lá.
– O que tu experimentou? - Ele provocou enquanto disfarçava mal
a curiosidade.
– Não gosto de falar. O mais bizarro é que agora me lembro
de que a primeira vez que experimentei, eu ri. Não um riso de gostar. Um riso
de ridicularizar. Será que isso tem alguma coisa a ver com o meu inconsciente? De
qualquer forma, na hora, pareceu muito bizarro e falso, sobretudo. – Ele falava
mais para si do que para ele.
– O que foi? – ele insistiu.
– Deixa para lá. O que importa é que, em um dado momento, eu
comecei a distinguir carícias reais de carícias ensaiadas.
– Acho que entendo um pouco. Mas, cara, tu pensa demais.
– Certo. O que tu propõe? Transar? – Ela retomou o tom de
ironia e provocação, sem esconder vestígios de esperança.
– Tu só pensa nisso. – ele sentenciou olhando para o teto.
– Não. Eu só preciso que tu me coma – ela disse reduzindo o
tom da voz.
– Por quê?
– Porque eu quero que tu vá embora. – A voz quase sumia enquanto ela fitava a orelha dele.
– Eu já fui.
– Eu sei. Mas não deixou a parte que eu gostaria. – Ela
quase choramingava.
– A experiência? O gozo?
– Um rastro de alma.
A risada dele ecoou.
– Mas já estou dentro da tua cabeça.
– E é um inferno.
– Não é tu que gosta de demônios?
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