sexta-feira, 20 de junho de 2014

A janela da R. Teodoro Sampaio

Há um tempo, ouvi falar de um escritor francês que escreveu um livro sobre janelas. E desde então, elas têm esse fascínio sobre mim. Toda vez que vou tomar um banho, despida, encaro a janela aberta do banheiro dando as boas vindas para os curiosos que desejam saber sobre a vida na Teodoro Sampaio.

Uma janela comum em banheiros, discreta, um pouco escondida, para os que olham de fora, por algumas árvores. Pequena e com vidros ondulados que deformariam um corpo desnudo se um voyeur mais atento a descobrisse.

Ainda pelada, penso em quem seria o curioso que um dia conseguiria entrever um peitinho entre as três aberturas diagonais daquela janela. Talvez ninguém, talvez por isso ela estivesse sempre aberta para uma rua eternamente movimentada. Quem, em um daqueles carros, em um daqueles ônibus, trabalhando ou comprando no supermercado, imaginaria que, a poucos metros do seu campo de visão, um pequeno seio ainda com marca de biquíni estaria à disposição do olhar?

O delírio de um tarado, a repulsa de uma mulher por ter sua intimidade revelada, agora era, ali, uma questão muito mais profunda. A mesma questão da janela voltada para uma rua sem nenhuma movimentação. Em que a liberdade de agir como quisesse gerava um desejo estranho pelo olhar alheio. A ironia daquela janela aberta, exibindo de forma completamente gratuita e óbvia tudo que muitos lutariam ou pagariam pra ver, mas que impedia, afinal, a visualização do que se pretendia exibido, me afligia.

Não que eu me regozijasse com uma olhada de desejo simplesmente ao meu corpo nu. Mas a importância das janelas abertas na minha vida se devia ao fato de eu me sentir como uma o tempo todo. Não importava se de frente para um caminho em desuso ou em meio a mais movimentada das ruas, muitas vezes parecia que ninguém nunca pararia para dar sequer uma espiadinha no interior.



*Texto de 2011

sexta-feira, 13 de junho de 2014

[dilemas] Meu corpo não é futilidade

Recentemente, comprei o livro da Jana Rosa e Camila Fremder, Como ter uma vida normal sendo louca. Não fazia ideia da existência do livro até duas amigas diferentes comentarem sobre ele em um período de menos de duas semanas. Parecia engraçado e as autoras em si já são muito engraçadas, resultado: comprei.

Mas não quis iniciar esse texto para fazer uma “crítica” da obra. Nem para confundir as autoras com as situações descritas no livro. Queria apenas falar sobre o “Ensinamento 15: sobre dieta, academia e spa”. Esse ensinamento (ou capítulo) é direcionado para mulheres que estão muitos quilos acima do peso (a partir de 5kg), que não cabem mais nas roupas e que decidem emagrecer. As autoras, então, contam como é uma tortura experimentar vários tipos de dietas e escutar pessoas falando sobre dietas. Ir para academia é outra tortura que só gente louca tolera. E spa é a opção para quem chegou no fundo do poço, mas que apresenta resultados apenas temporários. O ensinamento, então, conclui que “a vida é assim”.

Não é novidade para ninguém que é muito difícil nos sentirmos satisfeitos com o que temos. Não só com o corpo, mas com a inteligência, com a situação financeira, com a vida amorosa e etc. Sinceramente, não é à toa que Lacan faz sucesso. Por que o tal do objeto pequeno “a” é a descrição perfeita de como sempre estamos almejando chegar em um estado de completude através da aquisição de algo que nos falta (o "a") e de como isso nunca acontece. Não porque nunca alcançamos algo que queremos, mas porque no momento que alcançamos ele já não é mais nosso objeto de desejo.

Nunca estive muito acima do peso e não lembro de já ter sido chamada de gorda na minha vida. Ainda mais: nunca me senti gorda. Sempre achei que estava num espaço intermediário entre as magras e as gordas. Mas só muito recentemente tive coragem de dizer em voz alta que eu não era satisfeita com o meu corpo. Eu acredito na ditadura da beleza e acredito que padrões assustadores nos são administrados goela abaixo. Mas não achava que a revista feminina ou os desfiles de moda eram o que me fazia sentir insatisfeita, pois eles não eram referências para mim. A minha referência era o espelho e o que eu achava que estava sobrando ou faltando no meu corpo. A minha referência era a limitação física que eu comecei a sentir a partir dos 20 anos, como consequência de muito sedentarismo.

Admitir isso era muito duro para mim, porque implicava assumir que eu ligava para essa futilidade que é um corpo saudável e, de preferência, bonito e em forma. Eu senti medo de cair em algum dos estereótipos que eu não gostava: da gostosa sem nada na cabeça, das marombeiras de academia, das food haters. E nada disso combinava com o que eu sempre valorizei mais, que eram os meus estudos, e com o que eu adorava fazer, que era comer bolo.

Só para abreviar, essa história não termina com um testemunho motivacional. Do tipo, “hoje sou gostosa e até tentei citar um pouco de Lacan nesse texto”. Se tem algo muito bom que aprendi desde que eu disse “cansei de ser a legal, quero ser gostosa também”, foi que realmente dietas não funcionam e academia é um saco, se você não está buscando essa mudança para você. Foi também que muita gente não sabe nada de dieta e alimentação. Que se você for atrás de cortar tudo que é um vilão – glúten, farinha branca, açúcar, lactose, etc – você vai surtar.

Eu sempre fui apaixonada por doces e foi a primeira coisa que eu tentei tirar na minha busca por ser mais saudável. Para várias amigas minhas, isso era muito fácil, porque elas NÃO gostavam de vários doces. Mas eu gostava. E cortar isso funcionou por um tempo, mas depois começou a me afetar no sentido ficar na fissura pra comer chocolate de madrugada. Coisa que eu nunca fazia! E daí eu comecei a perceber que algumas coisas funcionavam com outras pessoas exatamente porque elas não precisavam daquilo ou simplesmente não gostavam.

Comecei a estabelecer minhas próprias regras de alimentação saudável, com direito a brigadeiro, pão de gorgonzola e hambúrguer! Mas em compensação, eu aprendi a comer FRUTA e a achar salada uma delícia. Isso não mudou muito o meu corpo, mas me dá uma satisfação imensa.

Espero que esse texto não esteja motivacional ainda. O que eu queria dizer é que a garota muito acima do peso da história fez tudo errado. Pois ela não tentou se compreender e se amar. Se ela não se gosta gorda ou fica triste porque não cabe mais nas roupas, ela pode mudar isso! Mas ela tem que mudar isso se respeitando, sabendo o que o corpo dela tolera. E descobrir como ficar com o seu corpo em forma não é futilidade.


Achar que “a vida é assim” e nunca ir atrás de mudança é uma das coisas mais tristes que alguém pode fazer. Ainda mais se a solução para se sentir melhor for qualquer uma das que estão no “Ensinamento 16: como viver acima do peso sem que ninguém perceba”.



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