segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

É assim que termina

"Pensei que poderia descrever um estado; mapear a tristeza da perda. Mas esta se revelou não um estado, e sim um processo. Não precisava de um mapa, mas de uma história, e se eu não interrompesse num ponto arbitrário qualquer, não haveria razões para parar de escrevê-la."
(C. S. Lewis apud Vanessa Barbara, Operação Impensável)


Ainda estou desfazendo as malas. O primeiro passo foi decidir falar sobre você. Confesso que é estranho ter que pagar alguém (não se ofenda, Analista) para deixar algo. Mas eu precisava deixar com alguém essa história. 

Nem tudo se resolve. Ainda abro tuas redes sociais e me revezo entre te querer por perto, te ressignificar como amigo, te ironizar como crush ou tentar te apagar de vez. Estou longe e, de longe, é mais fácil relativizar. Está tudo ao meu alcance, não acha, Analista? Mas nada se resolve assim. Ainda tem dias em que me pego cantando músicas românticas no rádio, a caminho do trabalho, e, no primeiro sinal fechado, olho esperançosa para o celular. Quem sabe o João? Quem sabe você? Quem, sabe?

Em um dia um pouco mais sufocante, envio mensagem para o João e pergunto como ele está. Ele me conta sobre a sua vida como se nada tivesse acontecido. Diz que quando quiser, posso visitá-lo, conhecer o seu novo lugar. Fico feliz e triste. Feliz por ter a impressão de que está tudo bem entre nós. Triste por ele ter sumido mesmo estando tudo bem.

No dia seguinte, ele me manda uma nova mensagem. Uma foto da janela. 

Olha onde eu estou morando!
Uau! Tem vista para a praça!
Daqui dá de ver o lugar onde a gente se viu pela primeira vez.

Da janela do apê, João me olha. De calça jeans e blusa colada, dividindo uma cerveja em um pequeno bar.



 Mas você volta?  você me pergunta, via mensagem, depois de descobrir que parti.

Tento adivinhar com que entonação você fez essa pergunta. Gosto de imaginar que pode ter sentido algum medo de ter me perdido.


Não sei.

O significado dessas palavras pesa em mim.

 Talvez eu volte por uma semana...

 Que semana?

 A próxima.

 Putz, vou tá cheio de trampo!


Jenny Yu


terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O fantasma

Parece que eu ganhei seu unfollow, não é?

Me surpreendo quando leio a sua mensagem e encaro o celular incrédula por alguns minutos. Por que ele se importa? Pensava em como reagir e me surpreendia comigo mesma por ainda não ter essa resposta mesmo sabendo que havia desejado que você reparasse na minha ausência entre as suas centenas de seguidores.

Havia uma resposta simples. Porque você tinha parado de curtir minhas fotos e postagens. Porque ignorava minhas interações. Porque você me lembrava do quanto eu me sentia rejeitada a cada momento em que alguma coisa tua aparecia na minha timeline

Meus amigos disseram para te excluir logo que você sumiu. Mas eu tinha medo de confessar que me importava. Ou de que não sabia encarar uma rejeição. Mesmo que nunca tenha aprendido mesmo. Talvez eu devesse ter procurado essa terapia nessa época, sabe, mas eu me consolava repetindo o mantra de que talvez o problema não fosse meu. Quem poderia superar algo sem saber o que, de fato, era necessário superar?

Eu não podia me consolar com mensagens de "nunca mais faço isso ou aquilo" porque era muito difícil saber onde eu tinha errado. Era difícil até mesmo saber se houve algum erro, porra! Às vezes eu tenho a impressão de que cometi um erro atrás do outro quando parei de te entender. Como é que você entra assim na minha vida, fofinho, só para decidir sair?



Você vem me ver essa semana?  decido enviar uma mensagem para o João depois de duas semanas sem nos vermos.
Renata,  ele começa a mensagem me chamando pelo nome não posso, minha vida tomou novos rumos.
Penso no que aquilo pode significar e decido não ficar com a dúvida:
Você não quer mais me ver, é isso?
Não, a gente pode se ver, mas preciso resolver umas coisas...

Decido que o melhor é dar espaço para ele. E encaro o espaço que preenchi de tantos afetos efêmeros. Está ficando deserto. Está ficando infinito. 



Aparece uma publicação sua no meu feed do Facebook. Muitas curtidas. Entre elas pode estar o porquê desse distanciamento. Um dos nomes salta da tela e dança na minha frente. Estou pálida e com o coração apertado. Vinícius. Esse é o nome que quase nunca consigo pronunciar. O que ele faz aqui?

Saio da frente do computador anestesiada. A vergonha parece que não cabe em mim. Quero deixar de existir, por favor, alguém! Tenho pesadelos à noite. Imagino você e o Vinícius trocando figurinhas sobre mim. O que acham de mim? Insegura? Ridícula? Ela é louca, vivia atrás de mim. Passou mais de ano atrás de mim. Tive que bloquear ela das minhas redes sociais. Você assentindo com a cabeça: oloko, ela me assustou mesmo. Ainda bem que me livrei dela. A interação entre vocês variava, ora não sabiam de mim inicialmente e só descobriam ao longo de uma conversa, ora tinham se tornado amigos por esse problema em comum. 

Não podia deixar de achar cruel que, em algum momento da minha vida, alguém tivesse pensado em reunir as duas pessoas que mais me rejeitaram. Sentia vontade de me defender. Não é bem assim, fofinho, você está me interpretando errado. É diferente! Eu sabia que ele não queria nada comigo, só ele não sabe que eu também não. Eu tenho um jeito estranho de demonstrar isso, eu sei. Mas, eu juro, é diferente.

Você, caramba, você parecia gostar de mim. Você parecia me querer por perto. Para me exibir como uma conquista louvável. Eu não teria insistido em você se não tivesse sentido isso. Eu não estaria escrevendo sobre você se tudo fosse tão claro quanto "ele não está a fim de você".

Você é um escroto! Você é como ele! Eu explodia internamente.



O mundo parece que vai desabar todo de uma vez. E não existe lugar onde me refugiar. Depois do João, envio mensagem para você e para o aquariano que conheci em uma festa. Ele inventa uma desculpa, não quer, ops, não pode me encontrar. Você...

Visualiza. E. Não. Responde.



Desculpa  finalmente decido te responder
Fiz algo de errado?
Não, fofinho, não fez. Só não tava me sentindo bem acompanhando as suas redes.
Posso saber por quê?
Já disse...

Não gosto de me sentir rejeitada.



Eu vou embora  aviso o João por mensagem
Sério? Você já se decidiu mesmo?
Já. Já falei para a minha família
Quando você vai?
Em um mês.

O João soube antes de todos os meus amigos. Ele, que me amou mais que os me amaram sem talvez nunca me amar, foi embora antes de mim.



Esse livro é ótimo  o aquariano disse espiando um livro jogado em cima da cadeira do meu quarto.
Você quer? 
Por que você vai dar seu livro?
Não vou conseguir colocar tudo na mala.
Você vai embora?
Meus olhos enchem de água. Rolo pela cama até ficar de frente para a parede e de costas para ele.
Vou...
Ele fica em silêncio e promete não me fazer mais perguntas. Acrescenta:
Quero te ver antes de você ir.

(Não vou conseguir ir te ver. Ele me fala um dia antes da partida).



A mala que eu carrego é pesada. Tento deixar o que não vai ser útil, me esforço para desapegar de tudo. Penso que não deve ser difícil para alguém que sente que não tem lugar. Tento me doar ao máximo, mas,  quando olho para trás, vejo que nada fica. Meu deus, não fica nada!


Não deixo nada. Em ninguém. 


Jenny Yu

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

É assim que começa

Na narrativa que eu escrevi, eu sou a moça que não espera nada de um encontro com o moço que conheceu na festa. E você é esse moço, a pessoa mais desencanada que eu já encontrei. Nessa história, o rapaz pode apresentar a moça para os seus amigos e brincar de mandar emojis apaixonados. Nela, eu posso escrever teu nome no caderno, emoldurar com corações, fotografar e te enviar pelo WhatsApp. É permitido constranger as pessoas ao nosso redor com danças imorais e cantar músicas pops.

 O que acontece quando você envia versos de funk ousadia para uma gatinha por áudio de WhatsApp  você brincou enquanto trocávamos links de músicas escrachadas.
 Se fizer esse texto vai ter que me pedir em casamento  respondi.
 Oloko
 Ué, mas é verdade. Tem que terminar o texto com: "o desfecho vai te emocionar"...
 Você não vai acreditar no que acontece no final!

O enredo está aberto para pedidos de casamento irônicos. E para planos de programas futuros que nunca precisam se realizar. A narrativa permitia dormir abraçado e pedir opinião sobre os textos escritos. Também permitia reclamar _pelo menos eu achava que sim. 

 É assim que começa! uma amiga me disse quando eu falei de você. 

Na narrativa que eu escrevi, a autora ainda não tinha se decidido sobre essa relação se tornar algo estável e nomeável. Mas eu tinha adiantado uns dois capítulos sem você saber. Nesses dois capítulos, a única intriga era a nossa implicância diária. No mais, a gente continuava a se ver semanalmente e permanecia sem se questionar quanto aos rumos que deveria tomar. Nada era dito, tudo era natural. Natural. Seguindo em fluxo.

Quando começo a escrever uma história, não quero parar. Não sei reescrever, continuo escrevendo para tentar recuperar qualquer falha. Devia ter ouvido teus comentários, devia ter parado, ali, no momento em que você diz que está tudo indo rápido. Não está, fofinho. Não tenta ler entrelinhas. Não tenta significar. Te implorei mentalmente. Devia ter dito em voz alta que eu só queria essa chance para me entregar sem pensar.

O João chegou na minha casa quando eu ainda me constrangia pelo enredo ruim da nossa história. Se criticam 500 dias com ela, quem dirá isso aqui! Deitei a tela do computador para me deitar com ele. Não pensei em nada, não fui nada. Nada além da terceira opção do Tinder. A primeira gostou dele, a segunda ele gostou. E eu?

Quando acordo, estamos andando de mãos dadas, eu e o João. Ele tinha se oferecido para me acompanhar na minha caminhada matinal e cruzávamos ruas desertas na Santa Cecília. João nunca falava muito, mas, nesse dia, me contava sobre a ex-namorada. Em geral, as pessoas não gostavam de falar sobre seus relacionamentos antigos, por isso, me senti mais próxima dele. Ele falava sobre um relacionamento de cinco anos. Falava sem nenhuma paixão, com voz de domingo. 

 Quando a gente se conheceu, os dois estavam muito mal. Foi a tristeza que uniu a gente. Ela era a única que conhecia o que eu tava sentindo.
 E mesmo assim vocês passaram cinco anos juntos? perguntei com a minha surpresa de quem vive eternamente apaixonada.
 Sim. Era... era só tranquilo, sabe?
Penso que todos os relacionamentos do João devem ser tranquilos. E, por alguns segundos, me pergunto se é possível que exista mais paixão entre nós do que entre ele e a namorada antiga. Tesão acho que sim.

Continuamos andando. Ele me pergunta se quero um caldo de cana e nós paramos a nossa caminhada por alguns segundos. Pego meu copo de caldo de cana com gengibre (Você vive me ensinando coisas!, João exclama tomando o caldo dele) e me flagro indo em direção ao meu lugar preferido, puxando o pela mão.

 Eu adoro esse lugar deixo escapar.
Ele não diz nada, olho para seu rosto e vejo brilho nos olhos. Sorri para mim. Sinto que me agradece e afundo dentro de mim.

Percebo que João interpreta o papel do personagem que concebi pensando em você. A falta de preocupação, a ausência do medo de se entregar. Até na presença, no companheirismo. Guardei o Minhocão para correr com você. Para voltar da sua casa contando passos e tirando fotos das coisas que você não podia perder. Tanto que eu planejei dividir! E, sem querer, me vejo carregando um João feliz em um sonho que ele imagina só meu.

Acelero o passo para chegar logo em casa. Ao chegar, João me pergunta se podemos assistir mais um episódio do seriado que tínhamos começado juntos. Vamos!

 Você assistiu algum sem mim? ele me pergunta enquanto estamos nos arrumando para começar.
 Não.
Nos olhamos alarmados. Ele se pergunta se estou esperando por ele. Eu, se ele queria que eu esperasse.

É assim que começa?


(Isso aconteceu umas duas semanas antes de o João parar de me mandar mensagens).


Jenny Yu

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Hipótese 2

Fernanda olha para o horizonte contornado de prédios. Estamos sentadas há alguns minutos esperando que o descanso chegue instantaneamente apenas por termos decidido passar algum tempo contemplando a paisagem. Nesses últimos tempos, toda vez que me vejo em um lugar que possua pelo menos os requisitos básicos para parecer contemplativo sinto essa necessidade de imediatamente relaxar e me sentir melhor. Nem sempre funciona, nem sempre faz qualquer sentido.

– Eu acho que o problema desses caras com quem você sai é que eles não tão preparados para uma mina como você – ela solta.
Fico satisfeita e aflita com o comentário.
– Não é isso...
– É sim, pensa só: você é inteligente, você é engraçada e você é muito de boa, sabe? Parece ser independente demais. Mais independente do que os caras querem.

Lembro-me do nosso primeiro encontro. A gente se pegando na parede da balada quando você, de repente, solta que valeu a pena ter passado todo aquele tempo falando comigo no WhatsApp. Eu rio. Você nem falou tanto assim, vai. Penso nos amigos com quem passo 24h conversando. Você me olha assustado. Nossa, como você é carente!

– Talvez eu não pareça tão independente nos relacionamentos amorosos. Você tem uma imagem muito boa de mim, Fê – fico aflita de decepcioná-la.
Olho para o mesmo pedaço de horizonte que ela.
– Sabe o que eu acho? Não é que eu seja boa – vamos admitir que isso é um bocado pretensioso – é que eu não sou nada ainda.
– Como assim? – Fernanda me olha alarmada.
– Ah, sabe, talvez eu não seja mesmo o que um cara bem convencional espera. Isso de ser vaidosa, de ser bonitona, de ser frágil e tudo. Mas a gente convive com caras que vão além de disso, num é? E, para esses caras, acho que, às vezes, eu não sou o suficiente, sabe? – Fernanda fazia caretas em protesto – é que… sabe, sou bem convencional e tudo. Não sou aquela mulher livre. Acho que o modelo de mulher que esses homens procuram é a artista de teatro que anda sem sutiã. Puxa, até eu iria querer essa mulher!
Fernanda ri da minha cara.

A segunda hipótese dessa história é que eu assustei você. Mas quem me diz isso são os amigos que acham que sou boa demais. A verdade é que eu tenho medo, muito medo, de achar que sou boa para alguém. E eu só comecei a falar sobre você porque eu queria revisar mais uma vez essa história, passar um pente fino, só para ter certeza de que não foram meus erros que afastaram você.

– Eu fiquei assustado e me afastei, confesso – você diz na saída da padaria a caminho da sua casa – Eu sou assim.

Olho para a faixa de pedestre à minha frente, então, só imagino o teu dar de ombros após a última frase. Você diz isso no meio de uma conversa maluca em que cada um diz uma frase que não explica nada.

– Eu não vou falar que estava apaixonada, mas você me interessou como ninguém tinha me interessado.
– Você exigia demais de mim...
– Eu só queria entender se você tava zangado comigo...
– Eu tava com muito trabalho.
– Nunca entendi porque você me deu um bolo.
– Eu te dei um bolo?
– Sim! Aquele dia que você marcou comigo, sumiu e eu fiquei chateada.
– Ah, rolou isso. Mas você queria sair demais... – Rolou isso? Sinto que minha cabeça vai dar um nó.
– Eu pensei que tivesse feito algo de errado...
– Achei que você me queria fora da tua vida depois de ter me excluído de tudo.
– Eu disse que não queria mais me sentir rejeitada.

– Que bom que você veio hoje.

Entramos no elevador sem trocar uma palavra e continuamos em silêncio até chegar ao meio do teu apartamento. Coloco a bolsa na cadeira mais próxima. Você me encara. Damos o primeiro beijo da noite. Um beijo sem sentido como tudo que envolve essa relação. Minha boca e a tua parecem lutar pela reconciliação, a sede é seca, a saliva parece errada. Tá tudo errado. Falta alguma coisa.


Peço para você colocar uma música. Você me pergunta o que eu gostaria de ouvir apenas para se recusar. Escolhe sua própria música, eu reclamo da escolha. Não sei porque não podia ser Nicki Minaj. Você vem dançando para mim. Me beija e sorri. Deixa eu ver se essa bunda tá dura, sussurra no meu ouvido. Não falta nada. Nessa noite.


Jenny Yu

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Hipótese 1

Não sei bem como esse lance da terapia funciona, Analista, mas acho que queria trabalhar em cima de algumas hipóteses. Eu nunca sei o que você está realmente pensando, mas acho que podemos começar pela hipótese número um. A hipótese segura. Com certeza ela já passou pela sua cabeça, acho.

– Ele só queria te comer, Rex – uma vez o Carlos me disse depois que reclamei que você não curtia mais as minhas fotos do Instagram. Foi Carlos quem disse, mas poderia ter sido Fernanda, Paula ou todas as amigas que já foram obrigadas a me ouvir falar de você.

– Me manda nudes – você pediu após eu ter enviado uma mensagem com o coração na mão, temerosa de mais uma rejeição, dizendo que queria te encontrar. Mando uma foto improvisada do sutiã.
–  Quero mais. Quer ver como você me deixa?
Eu queria. Queria ver ao vivo.
– Você sabe que eu sempre gosto de uma putaria com você, né?
Me sinto pequena e desabando. Não sei, Fofinho, não sei nada. Não sei o que isso quer dizer.

Se eu quisesse selecionar os trechos que comprovam essa hipótese, seria fácil. Talvez "ele só queria te comer" seja uma narrativa bem manjada. Com certeza, é muito mais fácil organizar tudo assim. Enquadrar, encaixar e compreender a ter que sentar e falar de você.

O que eles não percebem é como essa explicação me diminui e me apaga. No fundo, você é só uma garotinha querendo ser amada. Alguém me disse um dia. Foi dito como uma quase ofensa. Mas se eu volto para essa frase não vejo nada de errado, no duro. Porque sinto que isso não me diminui automaticamente, o que me diminui é eles acharem que você só queria me comer.

Um mês depois do nosso terceiro encontro, recebo um email avisando que você me mandou uma mensagem privada no Twitter. "Sdds". Não sei se era vício ou preguiça, mas até para dizer que sentia minha falta você fazia pouco caso (Analista, você acha que era o caso dele também ter medo de ser rejeitado?). Fui sincera:
– Também, Fofinho – a essa altura Fofinho era a palavra-chave para que eu pudesse me referir a você com carinho e ironia.
– Vamos sair pra tomar umas?
Olhei perplexa para as letras no computador. Topei.
–  Quinta é bom pra você?
– Nenhum dia é bom pra mim, Fofinho. Mas eu faço esse esforço por você –  Será que eu vou conseguir alguma pista de por quê ele sumiu?
–  Certo. Então, a gente deixa pra quinta. Mas não é certeza. Eu te confirmo.
–  Tá... Mas faz um esforço pra não furar porque agora eu quero essa transa.
–  Nossa, que abusada! Só te chamei para sair e tomar umas e você já tá pensando em transar?
–  Ué, achei que era isso. Dsclp – abreviei o pedido de desculpas para não demonstrar que estava mesmo envergonhada – A gente pode só tomar umas sim...
–  Não, uma transa até que cairia bem nesse friozin.

O que eu odeio nessa hipótese é que a minha vontade é apagada. A minha vontade e a minha capacidade de análise. Como se estar emocionalmente envolvida me impedisse de ver quando alguém me procurava para transar. E, pior, como se eu nunca tivesse aceitado, usufruído e mesmo desejado a certeza da relação "só queria te comer". Odeio o "ele", odeio ser o objeto da ação nessa hipótese, mas amo a certeza. A segurança das relações que se entendem completamente é a maior dádiva que eu poderia desejar, nunca perceberam?

E, ainda, se o seu interesse fosse puramente sexual, acredito que teríamos aproveitado mais. Eu não teria dormido tantas vezes com um "vamos marcar" na cabeça e uma linha fininha de esperança no peito. Pior, se eu ainda acreditasse no "ele só queria te comer", eu não teria passado tantas noites pensando em você. E não teria me pegado, um dia, perguntando em voz alta para o formato imaterial do teu corpo na minha cama: por quê?

Nesse "por quê?" cabia uma infinidade de outros. Por que você dançou comigo. Por que foi me encontrar na janela do teu quarto e chamou minha atenção. Por que você me fez deixar de encarar a fumaça lá fora para te ver cantando uma música romântica e se aproximou para me abraçar. Por que você quis me mostrar o teu mundo e fez aquele olhar de apreensão enquanto esperava a minha reação. Por que você tentou me animar pela manhã e aceitou colocar a música que eu ouvia sozinha todos os dias ao acordar. Por que você fez coreografias comigo e me fez achar que finalmente eu estava diante de alguém que não iria me julgar, para quem e com quem eu não precisaria me esforçar para ser aceita, admirada e amada mesmo quando contrariada e ranzinza. (Mesmo quando dizia que você não devia beber tanto durante a semana e virava a cara para as suas escolhas culinárias).

Eu sei, analista. As perguntas são retóricas. Já as fiz até ter a resposta. Eu, por exemplo, eu amo a certeza. A única coisa que amo mais é acreditar que amo. E aquela coisa do terreno incerto, do controle levemente fora de alcance. 

Acho que você foi assim. Você quis viver tudo que eu podia te dar. Não sei se, para você, foi o bastante (torço para que sim), mas, para mim, foi o suficiente para me fazer esquecer do caminho de volta.

Eu entendo. Eu acho que entendo mesmo você. Noutro dia, acordei assustada com o barulho dos carros e observei o João dormindo ao lado. Tínhamos pegado no sono depois de transar e ele ainda segurava a camisinha na mão, adormecido. Levantei para jogá-la fora, fechar a janela e a cortina e procurar o lençol para nos embrulhar. Naquele momento, senti que amava o João o máximo que eu podia amar.


Jenny Yu

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