segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Vamo tomar um café?

– Tem ouvido Haim?

Você perguntou aleatoriamente no momento em que eu enfiava uma colher de açaí na boca e eu fiquei sem saber se tinha exagerado na colherada ou se eu tinha gelado por conta dessa pergunta. O que ele quer dizer com isso? Te encarei pálida com a colher ainda em suspenso. Por mais que eu achasse que devia haver outra explicação para aquela pergunta, dentro de mim algo dizia que você não podia ter esquecido de que essa tinha sido a banda que ouvimos no nosso primeiro encontro. Normalmente nem eu me recordo desses detalhes, mas, no nosso caso, a música nunca tinha sido um mero detalhe. Ela tinha sido o motivo daquele encontro.

Abri a boca ainda atordoada. 
– Não… – consegui dizer.
Você encarou a mesa constrangido. Continuei te encarando incrédula. Por que ele perguntou isso? Como se o universo quisesse responder à minha pergunta, o som ao redor foi penetrando na minha mente. Uns cariocas conversando na mesa ao lado. Garçom servindo. Garçonete recolhendo. O barulho metálico das panelas e… 

But if I was to say 
I'll forget it...

Devo ter arregalado os olhos quando percebi.
– Perguntei porque tá tocando – você disse finalmente, olhando para a tigelinha de açaí que a gente dividia e enchendo uma colher.
– Percebi – tentei disfarçar a reação exagerada que eu acabara de ter.

Fazia pelo menos três meses que a gente não se via. Até aquele meu convite para tomar um café. O convite tinha sido para tomar um café literalmente já que você tinha me avisado em mensagens que não estava bebendo. Mas, como você só confirmou às 22h30, tínhamos acabado na padaria 24h que você conhecia, dividindo um açaí. Quando convidei você, não fazia ideia do que dizer. Algo precisava ser dito? De alguma forma, eu esperava encontrar as peças que faltavam no meu quebra-cabeça. No entanto, me sentia constrangida por voltar a te encontrar com isso ainda na cabeça.

Há três semanas, se alguém falasse o seu nome perto de mim, só me causaria um leve incômodo. Aquele incômodo, ocasionado pela certeza de que eu nunca saberia o que você pensava sobre mim, que já era um grande conhecido meu. Eu o afastaria com uma leve abanada na cabeça e pronto. Mas eu tinha tido a ótima ideia de entrar no Tinder. Depois de você, eu já tinha saído com outros e, principalmente, tinha aprendido a não esperar muito de uma só pessoa. Decidi me virar no Tinder.

Encontrei o João num sábado. Bonitão, simpático, meio introspectivo. E ele mexeu com muita coisa dentro de mim. Quase te contei isso. Até ensaiei na cabeça:

Eu tava muito bem sem você, sabe? Apesar de não entender nada do que aconteceu entre a gente e porque você começou a agir tão estranho, eu juro que tava superando. Foi por isso que te excluí de tudo aliás. Mas daí comecei a sair com esse cara e ele é maravilhoso. Faz três semanas que a gente se encontra sem esperar nada um do outro. É tranquilo, é confortável, é só isso… Eu não lembro há quanto tempo não sinto o que você me fez sentir.

Quando cheguei ao metrô já tinha desistido de falar. Apenas me perguntava se você ainda seria capaz de me fazer sentir tudo aquilo. Tanta coisa aconteceu nesses três meses! Quando te vi me esperando do outro lado da catraca, rasguei mentalmente o papelzinho com o discurso. Nem a pau confesso isso. Você me deu um sorriso tímido.

– Fiquei feliz que você aceitou meu convite - você disse parecendo desarmado.
– Ué, mas eu que te convidei – respondi para mostrar que a vitória não era sua. Já estava desarmada.

Durante as duas ou três horas que passamos na padaria, enquanto você me contava todas as boas notícias da sua vida (você tava ótimo!), eu me segurava para não dizer que estava com saudades. 

– Perdi o metrô
– Vai querer pedir um táxi?
– Vou. Mas não quero agora… – Eu já tinha decidido voltar para casa com você, só precisava te contar.
– Hum...
Fiquei te olhando e sorrindo do outro lado da mesa.
– Você quer ir lá pra casa? – você perguntou mudando de cor e se esforçando para olhar em todas as direções exceto aquela de onde eu te olhava.
Peguei minha comanda e levantei da mesa. Vamos! Sua vergonha passou imediatamente, você me seguiu se adiantando em desculpar o estado do apê. Não estava esperando.

– Tava com saudades? – você perguntou em cima de mim – Tava com saudades do meu pau? – disse mais baixo, parando alguns segundos para me olhar nos olhos.
Segurei a vontade de dizer “não” só para te provocar. Há três meses, eu teria negado com certeza. Mas, nessa noite, eu me sentia submissa e, perceber isso, me deu um certo prazer. Sim, eu senti. 

– O que você acha? – provoquei ao mesmo tempo em que enlaçava teu corpo com as pernas.

Eu não sei mentir. Mas também não gosto de admitir.  


Ilustração: Jenny Yu


segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Uma coroa transona

A porta do elevador se abriu quando cheguei ao quinto andar. Saí dele e a luz automática me saudou. Mais adiante, vi a porta no fim do corredor se abrir. E então vi o Pedro, sorrindo aquele sorriso largo ("Sorriso de gente do bem", vi uma tia comentar na foto de perfil do Facebook dele), de cueca box preta.

Para falar a verdade, não sei se o Pedro anda sempre de cueca box ou se ele coloca porque sabe que eu fico louca. Mas, às 4h da manhã, desconfio que a escolha do dress code tinha sido para me agradar mesmo.

Não lembro se caminhei até ele ou se fui sugada por aquele sorriso caloroso. Não senti minhas pernas. Quando dei por mim, já estávamos nos cumprimentando com um beijo.

Chego em casa e lembro de avisar ao Pedro que cheguei bem.
"Cheguei".
Ele manda uma carinha sorridente. Ainda não dormiu pelo visto.
Verifico as horas no celular e constato que já são 6h da manhã. Atravessei a Rua da Consolação com o céu já claro. Rua deserta. Devo ter feito em menos de 15 minutos.
"Que delícia de visita". Chega uma nova mensagem dele.
"Também achei". Respondo sem saber se é verdade. Começo a tirar a minha roupa novamente. E me obrigo a banhar. Não consigo dormir sem banhar depois de uma transa e ainda preciso colocar um absorvente. Penso no sono que vai ser adiado com pesar, mas tento não procrastinar o processo.

Meia hora depois, finalmente reencontro a minha cama. Pego o celular para checar se Pedro disse mais alguma coisa. Nada. "Que delícia de visita". Sei bem do que ele está falando, mas fico mais satisfeita recordando todos os elogios que me fez naquela noite. Meu deus, olha essa barriga. Reencontrar um caso antigo depois de um ano tem dessas vantagens. Porém, tento não pensar em todos os flashes daquele encontro que me vêem a cabeça. O que ele quis dizer com "você vai ser uma coroa transona"? Ah, não vou encanar com isso. Foi um elogio. Ele falou como se fosse um elogio.

No entanto, ainda me demoro tentando imaginar qual impressão Pedro tem de mim.

- Menino, faz tanto tempo que não dou uma - confesso triste.
- Não acredito, bela - ele diz com uma piscadela divertida, mas realmente não acredita.
Não insisto. Passei dessa fase de achar que tenho que jurar que transo pouco.

Também penso em como o tempo não parece passar com ele. A gente ficou horas e horas conversando como se nunca tivéssemos perdido o contato. Sempre foi assim com a gente, aliás. Porra, Pedro, cê me fez cair na real. Praguejo para mim mesma quando concluo que não adiantava continuar saindo com o ruivo se faltava essa empatia. Eu quero sentir isso!

Pego o celular mais uma vez. Nenhuma mensagem nova. São quase sete horas agora. Abro minha caixa de e-mails e começo a deletar as mensagens publicitárias enquanto o sono não vem. Também abro o Facebook para checar se tem alguma notificação que me interessa. Dois novos convites de amizade. O cara que me deu a carona deve ter mandado, certeza. Vou tentando adivinhar enquanto a página carrega. Erro. Reconheço o rosto do cara que tinha me dado um drink. Simpático. Adorei ele. E, então, vejo o seu convite. Ih, esse cara quer me pegar mesmo. Aceito.

Programo o celular para não emitir nenhum som e vibração e, finalmente, fecho os olhos. Antes de pegar no sono, ainda penso no Pedro. Eu quero sentir isso. Não aceito menos...

Ilustração: Jenny Yu

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Bienvenue à l' enfer

Bienvenue à l' enfer. Sempre que o chão treme, eu relembro a voz sinistramente animada ao meu ouvido. Ele fala em francês. O inferno voltou. Ou eu voltei pra ele?

Não importa. O que importa é o som. O inferno falando ao meu ouvido em francês. É educado. Bem-vinda. Eu sorrio da ironia. Tenho um pouco de medo de viver tudo isso novamente, me pergunto se é realmente necessário, não importa. Não sou eu quem decide.

Continuo na fila de entrada para o festival de inferno. Só mais uma seguindo a trilha humana. Ganho minha pulseirinha de acesso. (Apesar de saber que o difícil daqui é achar a saída). Mulher é revistada mais rápido. Opa! Deixo alguns para traz. Mas essa não é realmente uma competição. Quem entra primeiro não sai mais rápido. O caminho é longo. Ando devagar, porque prefiro sentir as horas passarem andando do que parada. Não escurece nunca enquanto ainda tenho forças.

Não encontro ninguém que fale a minha língua. Tento falar a língua deles? Vou andando desconfiada tentando absorver trechos das conversas em francês. Não espero mais que alguém me passe as instruções para voltar. Só quero me distrair. Estou no inferno. Esse lugar, eu já conheço. Não tenho dúvidas do que vem pela frente. A escuridão. O frio. O medo. A ansiedade. A raiva de mim mesma. Devia ter anotado. Não podia ter perdido essa informação. Podia ter feito melhor, podia ter feito certo. Como cheguei aqui tão despreparada? Passo do Chateau d'Eau. Dos deux rond-point. Ou é rond-coin? A sinalização do inferno é terrível. Só o que vejo na pista são instruções para ir mais devagar. Ralentir, como eles escrevem.

Finalmente me deparo com o castelo. Salut, cher ami! O castelo é medieval, também fala francês. Ele não move uma pedra para me cumprimentar. O clima fica mais frio com a indiferença. Dou um passo vacilante em sua direção. Não gosto dele. Não gosto daqui. E, depois que ultrapassar as pedras medievais, sei que a paisagem não melhora. Ainda é noite, frio e triste. Mas talvez eu me reencontre comigo e volte a acreditar no que não parece mais real.

Bem-vinda ao inferno. Digo para mim mesma em português. É uma despedida. De todas as limitações que aprendo a deixar aqui.


Ilustração: Jenny Yu



O cara do emoji

- Até agora você não me disse nada de grave, Renata - Fernanda levantou os olhos do conteúdo que mexia na panela e olhou séria na minha direção.

Nós tínhamos combinado um jantar para colocar os assuntos em dia. Enquanto ela dava os últimos ajustes no molho, eu colocava a mesa.

- Não sei... Parece bobo, mas tá me fazendo mal, sabe? Claro que eu não fico mal com isso o tempo todo, mas é uma coisa que eu não resolvi e sempre volta pra me assombar - eu disse e fui sentindo as palavras atolando na garganta. Disfarcei demonstrando uma concentração extraordinária para posicionar o jogo americano sobre a mesa.
- Bom, acho que se é algo que está te fazendo mal, é muito legítimo que você queira resolver e procure ajuda. Mas eu queria que você parasse de ouvir um pouco o que o Carlos diz. Não tem nenhum problema com você. Não tem nenhum problema com essa situação com esse cara...

Eu agora me concentrava em pegar os pratos e copos na prateleira. Ela sempre fazia de tudo para eu me sentir melhor, mas eu não sabia se, dessa vez, poderia deixar por isso mesmo.

- Assim... - Fernanda tateava em busca das palavras - desde que você me falou desse cara, eu sempre achei que você poderia estar, sei lá, ficcionalizando um pouco...
- Exato! - soltei demonstrando uma concordância mais efusiva do que eu mesma esperava. - Acho que é isso que tem me incomodado, essa minha tendência a ficcionalizar a minha vida. Eu não sei parar... - comentei olhando triste para a mesa completamente posta.

Sem meu disfarce, me joguei em uma das cadeiras e esperei o que mais Fernanda teria para falar.
- Eu acho muito importante você já saber disso - ela disse animada e aliviada, apagando o fogo. - Cê sabe que eu sempre  recomendo terapia, né? Acho que todo mundo deveria fazer. Me ajudou muito!
- Acho que eu realmente preciso - eu disse jogando os braços em cima da mesa - Ando tendo esse medo de estar passando por cima demais das coisas, de ter deixado algo passar e dessa coisa, que eu não sei o que é, estar desestabilizando tudo.
- Rê, - ela tinha se sentado na cadeira em frente e servia o macarrão (uma nova receita de molho de cenoura e beterraba) - eu acho que, enquanto cê procura um analista, cê já podia começar a escrever algumas coisas... Não foi isso que você sempre fez?
Concordei com a cabeça.

A escrita sempre tinha sido a minha primeira opção. Mas, de uns tempos para cá, eu simplesmente me recusava a recorrer a isso. De uns tempos para cá não. Desde você. E eu sabia o porquê. Em parte, tinha a ver com um amadurecimento. Pelo menos eu assim o encarava. Às vezes, não me enxergava mais na autora que vislumbrava pelas frestas entre as palavras de meus textos antigos. Too much drama. Eu pensava nisso e tinha vontade de jogar minha cabeça para trás. Talvez o drama ainda fizesse parte de mim. Pensando bem, o problema poderia estar nesse meu movimento de tentar escondê-lo. Mas eu não queria dar o braço a torcer. Não queria que o Carlos e nem nenhum dos meus amigos soubessem que eu ainda era a mesma menina que dava um valor exacerbado para os relacionamentos amorosos. Não queria que achassem que a única coisa que tinha mudado eram os nomes, Thiago, Marcelo e, agora, você.

Por outro lado, não era só para os meus grandes amigos que eu tinha vergonha de admitir tudo isso. Era para mim e, principalmente, para você. A gente sempre esteve nessa disputa para saber quem era menos problemático. E, sinto muito, mas perder para você estava além dos defeitos que me dispunha a admitir.

- Vai escrever um texto sobre isso, vai? - você perguntou irônico me pegando desavisada.
Doeu. Ele me leu? Por que ele nunca falou nada? Por que isso soa tanto como uma crítica? Muitas perguntas passearam pela minha cabeça, mas duas coisas foram assimiladas na hora. Uma: você não disse que gostava do que eu escrevia. Duas: você achava que eu só escrevia sobre as coisas que aconteciam na minha vida. Não lembro se me defendi primeiro. Eu não escrevo sobre isso. Ou se tentei disfarçar que tinha sido nocaute. 

- Você leu o meu blog?
- Claro, ué, você coloca o link na sua descrição do Twitter - você fez pouco caso.
- Mas ninguém lê isso.
- Eu leio.

Sorri pro prato de macarrão.
- O que cê tá pensando? - Fernanda perguntou de boca cheia.
- É engraçado... Eu ficcionalizar tanto a realidade e ser acusada de "só contar a minha vida" quando escrevo ficção - eu disse dando de ombros.
Ficamos em silêncio empenhadas em devorar mais macarrão.
- Rê?
- Oi?
- Quem é mesmo esse cara? Não é o do Tinder, né? - ela perguntou franzindo a testa no esforço de recuperar algum detalhe.

Eu acho engraçado quando meus amigos perguntam isso. Nunca soa como uma ofensa. Às vezes até me sinto tranquilizada por ter conseguido minimizar a tua influência na minha vida.

- Não. Esse é o João. O João é um amor.
- É o bonitão?
Eu rio.
- Não... - e me surpreendo sentindo uma pontada de dor.
- Também não é o escritor, né? Eu lembro que cê só falou muito por alto dele.
- Ahh, não não. Não tenho nada com o escritor.
- Quem é ele?
- Lembra do cara que me deu um bolo?
- Hum... - ela obviamente não lembrava.
Tentei pensar em uma referência melhor.
- Puxa, foi um cara que eu gostei bastante de sair...
- Hum...
- Já sei! Lembra da história da bostinha?
- Lembro! - ela respondeu contente porque finalmente tinha se encontrado.
- Ele é o cara da bostinha! - eu disse rindo, mas algo no ressoar do riso, reverberou dentro de mim.

Você é. O. Cara. Que. Me. Mandou. Um. Emoji. De. Bostinha. Caramba!

Às vezes eu esqueço dessas merdas.
Ilustração: Jenny Yu

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Se eu tiver que falar de você

Recebi sua mensagem antes que o mundo começasse a desabar. Cai a massa que cobre os tijolos do escritório, vão caindo os tijolos em câmera lenta e eu ainda na cadeira giratória, olhando para a tela. Deu tempo de mandar um emoji sorrindo. E então foi a vez de cair a ficha. Preciso deixar isso, preciso de ajuda.

- Vou fazer terapia. - eu escrevi para dois amigos no celular, porque tenho essa mania de ter que anunciar minhas decisões. Decidir fazer terapia, no entanto, não era a parte difícil.
- Por quê? Aconteceu alguma coisa?

Difícil era explicar você tinha sido o gatilho da decisão. Pensei em tudo que eu precisaria fazer antes de começar uma terapia: pedir indicações de analistas, descobrir o valor e provavelmente pedir pra minha mãe pagar. Mas, de tudo o que era necessário para chegar até lá, o que mais me aflingia era o medo dessa hora em que alguém perguntaria por que eu estava ali. E se eu tiver que falar sobre você?

Por onde eu começo? Talvez seja preciso fazer um roteiro preliminar na minha cabeça. Por onde eu começo?

Pelo começo...

Você está deitado na cama. Nu, sempre nu. Eu engatinho por cima de você só para dar um beijinho bobo pós-transa. Paro diante de você e fico te fitando feliz.

- Por que você falou comigo na festa? - você pergunta.
- Como assim?
- Cê queria me pegar, não queria?
- Não.
Você me olha surpreso.
- Como não? Você que puxou assunto comigo! - diz em tom acusatório.
- Cê tava sozinho, ué. Não gosto de ver gente só. Eu tava sentada do lado, sem fazer nada e você todo excluído...
- Cê não me deu bola naquele dia? - você pergunta muito confuso e um pouco irritado.
- Não - digo rindo enquanto na minha cabeça me perguntava se você não tinha visto o bonitão que estava na festa.
- Você não me achou bonito?
- Ah, Fofinho, eu nem pensei sobre isso naquela festa. A única coisa que eu lembro foi de ter achado o teu sorriso bonito.
Você corou, mas continuou com ar contrariado. Não estava convencido.

Todo o nosso encontro foi um engano. Hoje, essa cena volta para a minha cabeça , mas sou eu quem me pergunto: por que eu falei com você?

Não te vi chegar na festa. Quando eu te vi, não sei que horas eram. Não lembro quão cansada eu estava. Já tinha dançado com certeza, mas naquele momento, estava sentada e pensava se não tinha sido chata demais com a menina que defendia que o livro "50 tons de cinza" era machista. Você estava em pé ao meu lado. Olhando pela varanda, mexendo no celular e tomando uma cerveja. Parecia bem deslocado. Perguntei alguma coisa qualquer. Não vai dançar? Você deu alguma resposta. E, então, começamos a falar sobre o nordeste. Talvez tenha sido o meu sotaque. Você me contou que tinha viajado recentemente para lá e de como era apaixonado pela região. De certa forma, achei bacana aquele desconhecido adorar a região de onde eu vim, mas, ao mesmo tempo, nunca tive paciência para visões idealizadas do nordeste. Você falava e eu, de onde estava sentada, olhava teus dentes brancos. Que sorriso bonito, o desse moço. Talvez eu tenha dito que tinha planos de voltar para lá. Mas que não sentia muita falta. Exceto da praia. Com certeza eu falei de praia. Porque a praia me fazia muita falta nessa época, nesse ano, aliás. Você não achou grandes coisas. Praia? Eu tô sempre na praia. Eu moro aqui, mas sempre vou pra Santos.

Nada de significativo, nada. Em algum momento, eu comecei a pensar em como acabar a conversa. Não tinha ido para a festa para ficar fazendo sala para o amigo de alguém.

Luz, na passarela que lá vem ela...

Foi a minha deixa. Opa, vou dançar. Escolhi um lugar meio afastado de você na roda de pessoas a nossa frente, porque tinha um pouco de vergonha de dançar na frente de estranhos. Esperava que você não me olhasse. Ainda espero que não tenha, na verdade.

Apesar de que...

- Eu não sei dançar.
- Não? Não foi isso o que eu vi na festa - você escreveria alguns dias depois em uma mensagem de celular.

Deixa para lá.

Tenho alguns outros flashes guardados aqui. Mas talvez eles comecem a fazer mais sentido no desenrolar dessa história, quando você começa a ocupar um lugar maior na minha cabeça. Naquela festa, você chegou tarde. Havia um rapaz tão bonito no mesmo lugar! Dele, eu lembro da chegada até as três palavras que trocamos a noite inteira, confesso. Recordo-me ainda da mensagem que recebi por volta das 2h da manhã. Era o Pedro, me chamando para dar uma passada no apê dele, na Augusta. (Pô, beibe, tô naqueles dias...). Nós estávamos entre os três últimos a ir embora. Pegamos carona juntos. Você seguiu para a Barra Funda e eu fiquei na esquina da R. Augusta com a Peixoto Gomide.
Ilustração de Jenny Yu
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