quinta-feira, 20 de agosto de 2015

A vida, as redes sociais e o creme de espinafre

Tinha um texto para publicar aqui, mas, logo que acordei hoje, eu soube que ainda não o faria. Imaginei-o como uma massa de pão, que precisa descansar por um tempo até crescer um pouco. Então, logo me vi em busca de algo_ que não fosse rotina, tristeza e melancolia_ para postar aqui. Esbarrei com um jornal velho ao lado da cama e decidi não adiar mais aquela leitura enquanto esperava por uma ideia. As ideias para os textos, eu pensava comigo, vem de irrupções. Superfícies que se abalam, águas calmas que tremulam. As metáforas, aqui, não são mero charme da escritora. De fato, essas imagens _do incidente, do desvio, da intriga_ têm povoado a minha mente. Talvez porque a vida, nos últimos tempos, nunca passe disso: águas calmas que nem as turbulências dos pensamentos conseguem agitar.

A leitura que eu queria fazer no jornal antigo era a de uma entrevista com a escritora Elvira Vigna, indicação recente de amigos. Na entrevista, minha atenção disparou quando a autora falou sobre o mito falido do fodão, os aspirantes à matadores de elefantes. "Hoje, não: você tem uma vida banal, cotidiana, difícil. É muito mais difícil levantar da cama, difícil dizer bom dia para o porteiro e ir para um trabalho que não te satisfaz do que matar um elefante". Eu poderia assinar embaixo, Elvira. Se há algo que o home office e, mais recentemente, o desemprego me ensinaram foi que levantar da cama talvez seja a tarefa mais difícil de cada novo dia que surge. Mas, talvez eu hesitasse em concordar, por não acreditar que já podemos chamar isso de mito falido.

Em dias que me senti muito triste, na semana passada, peguei o meu celular com a intenção de falar publicamente sobre a minha dor e compartilhar (não é esse o verbo que as redes usam?). Antes de conseguir apertar o enviar, no entanto, minha mente iniciou um grande exame de consciência. Por que eu não partilhava aquilo com meus amigos, pessoas que, imagino, realmente se importam comigo? Os motivos eram vários: eles não estavam passando por nada daquilo e eu não queria preocupar ninguém ou ocupar o tempo deles com problemas que não poderiam ser resolvidos por eles, mas que eles poderiam encarar como mais uma preocupação. Mas por que eu queria tornar público em uma rede social? Isso fazia parte dessa onda de superexposição da vida privada?

Tentei não compartilhar nem metade do que me afligia. Achei que seria difícil, que talvez precisasse ficar sem utilizar as redes como um todo para não permitir que algo ficasse evidente. Mas logo descobri que as fotos de comidas, os mini vídeos e as frases irônicas _aquelas que não se levam a sério_ conseguiam marcar a minha presença em rede sem que nada fosse visível. O próprio esforço para estar presente em rede e produzir conteúdo de qualidade para os outros _meus amigos? meus seguidores?_ tem me feito pensar muito sobre o mito do fodão. É quando você se sente pior, menos produtivo e mais deslocado, que você percebe o quanto as redes sociais estão povoadas de pessoas incríveis. Elas comemoram as conquistas diárias, elas sorriem todos os dias, elas comem fora, elas adoram tomar drinks, elas contam as novidades boas do trabalho. E mesmo quando reclamam, elas reclamam de serem muito solicitadas pelos amigos ou pelos eventos; os mais normais reclamam do calor, da maquiagem, de algo que compraram, do sono, da fome... O lado positivo é realçado, o negativo é apenas um motivo para uma empatia, mas (quase) nunca revela algo das fragilidades pessoais.

Eu, na minha presença nas redes, aceito as regras do jogo. Consciente ou inconscientemente, procuro algo que tenha algum potencial de consumo e entretenimento para brindar meus contatos. De preferência, algo que ajude a construir uma melhor imagem de mim. Uma imagem bem humorada. Às vezes, penso nisso com rancor. Mas logo me ocorre que, se sempre que estivesse me sentindo desanimada, eu compartilhasse meus pensamentos, provavelmente estaria fazendo um grande desserviço às pessoas que me seguem ou leem, incentivando vários pensamentos negativos enquanto eu mesma sempre busco o contrário para mim.

Esse longo texto, portanto, não é uma defesa da tristeza, da dor e da desilusão pública. Esse texto, se aceitam a minha sugestão de definição, é um texto sobre o creme de espinafre. É uma defesa da banalidade. Porque, em geral, o que me faz levantar da cama todos os dias não são meus amigos, uma festa, uma bebida ou qualquer promessa de uma aventura. É aquele pensamento vago de que preciso fazer alguma coisa com o espinafre que comprei domingo na feira antes que ele estrague. Às vezes, é possível até mesmo transformar o espinafre em uma aventura: gravo declarações de que nunca fiz um creme de espinafre antes e de que vou usar uma couve no lugar do molho branco. As pessoas que me seguem no Snapchat (@secoelho) já imaginam se aquela receita vai dar certo ou não. Se eu gravo mais alguns vídeos de 10s falando do andamento da receita, tenho a impressão de que transformo a banalidade em algo que é consumido, assistido e ressignificado. Mas a única espectadora de "cozinhe a couve até ficar bem macia" e "espere a água ferver para branquear o espinafre" sou eu. E essa é a parte mais importante da vida. É assim que 24h vão sendo silenciosamente consumidas. E talvez não faça nenhum sentido dar um final para esse texto. Talvez não seja possível acertar no sal. Algo sempre vai ser selecionado, pré-codificado, algo que não é a banalidade do creme de espinafre. Mas eu bem que gostaria que fosse.


O espinafre do Pinterest parece melhor que o meu

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